Largar tudo e ir meditar parece coisa de vagabundo. Pra ir em retiro de meditação, a gente tem que se justificar falando que é auto-cuidado, e tem que usar bem as palavras pra não acharem que você só se enfiou nessa porque estava na pior.
“Todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade do homem de ficar sentado quieto e sozinho numa sala” gosto muito dessa frase, supostamente de dita pelo matemático, Pascal.
Não concordo que teremos todos os problemas da humanidade resolvidos. Não acredito em paz mundial, felicidade plena, muito menos na reversão do aquecimento global. Porém, acredito que, mesmo fadados á derrota, a gente pode imaginar sim essas utopias e escolher pelo menos um ou outro objetivo coletivo inaçável pra botar em prática.
Minha batalha-pessoal-coletiva-utópica mais antiga é a meditação. Inclusive, mês passado fui num retiro de silêncio. Confesso que tive um ano bem merda, mas não é por isso que fui, essa é uma coisa que já faço há alguns anos, em tempos bons e ruins.
Porém, acho que quando Pascal disse a tal frase, não estava sugerindo exatamente “ficar sentado quieto e sozinho” sentado no chão, meditando mais de 5 horas por dia, por 10 dias seguidos, comendo apenas 2 refeições diárias, sem poder ler, escrever e nem se exercitar. Mas é exatamente isso que propõe o retiro que fui agora no fim do ano.
Se você quiser evitar de cair nessa furada, o nome do retiro é Vipassana. Se você esta buscando justamente esse tipo de auto-flagelo, o nome do retiro é Vipassana também. Segundo as aulas noturnas do retiro, essa é uma técnica de meditação que o próprio Buda praticou para se iluminar, mas quem pode garantir? Os Indianos adoram usar essa técnica de marketing do “é tradicional”, “é milenar” pra empurrar goela abaixo suas ideologias mundo afora.
Vamos deixar baixo toda essa possível fic por detrás do que de fato existe:
Um retiro gratuíto, que acontece exatamente no mesmo modelo, há décadas, em diversos países do mundo. E milhares, se não milhões de pessoas, já participaram disso.
Se você entra no site do Dhamma, encontra datas para se submeter a viver essa experiência. Tem um centro em Santana de Parnaíba, aqui pertinho de São Paulo, mas o que fui é lá em Miguel Pereira, no interior do rio de janeiro. Os quartos são confortáveis, a comida é gostosa e o chuveiro, quente. O sistema é muito organizado e exatamente o mesmo, sem tirar nem por: silêncio absoluto, um pouco de jejum e meditação por horas a fio.
Apesar do fugere urben e dos confortos básicos, não parece relaxante, né? No geral, não é mesmo. Mas vale a pena.
Encarar as responsabilidades de frente
Confesso que estou desempregada, pego um freela aqui outro ali, mas não tenho mais time pra gerenciar, nem pair code reviews pra fazer. Porém, trabalho com TI, os freelas pagam bem e tenho certa flexibilidade de tempo e dinheiro, mas não parecia nada mal ficar 10 dias ter de cozinhar, sem gastar nada e sem olhar pra uma tela.
A questão de cozinhar até que não tinha um peso tão grande, esse ano preparei tanta marmitinha que já me acostumei. Emagreci 7 quilos e ganhei 3 quilos de músculo! Também pensei a longo prazo em várias outras áreas da vida: economizei grana, me desafiei na carreira, fui presente nos meios sociais mesmo quando queria ficar chorando num cantinho, não descontei na comida nem no álcool… mas é claro que esse auto-cuidado mecânico é apenas a redução de danos, o buraco é bem mais embaixo.
Fiz a porra toda, meditei, mesmo assim em 2023 sustentei um constante sentimento de angústia e impotência frente aos problemas pessoais e mundiais.
No mundo, você ja sabe, fim de ano com esse aquecimento global torando na cabeça, desastres ambientais aqui e ali, estourou mais uma guerra, inflação lá no alto, inteligência artificial expandindo cada vez mais suas habilidades, mercado de trabalho incerto pra maioria das profissões, líderes políticos de caricatos de extrema direita tomando o poder, lulão não entregando quase nada…
No pessoal, me separei, mudei de casa e bairro, minha psicóloga entrou em licença maternidade, fiz reforma, uma tia morreu tragicamente, outra pessoa querida quase se foi, mas acabou internada em clínica de reabilitação, minha mãe tirou um câncer… além disso, depois de quase 10 anos morando longe, fui morar parede-com-parede com meus consanguíneos.
Mesmo assim, não fugi de nenhum B.O. Muito pelo contrário, fui paciente e cumpri com minhas obrigações, coisa que parece o mínimo, mas a gente sabe que não é. Talvez eu tenha dificultado um pouco meu lado com essa postura de “pensar a longo prazo”, mas esse ano já teria sido triste de qualquer forma, acabou que só abracei a dureza e mantive a postura uma vida chata e ponderada.
Tem dias, semanas, meses e anos na vida que são assim: feitos de fatos duros, decisões que requerem disciplina constante. Não tem nada de errado nisso. Não é moralmente superior sustentar euforia constante, mas achei difícil bancar a essa posição contra-nossa-cultura do sambar sempre, independente de. Em 2024 vou sambar mais.
Por que quero tanto ser feliz?
3 months ago · 9 likes · 1 comment · Alex Castro
Enfimm, paguei os boletos antecipado, mandei mensagem pra uns contatinhos não acharem que bloqueei eles e me mandei pra vipassana em miguel pereira –
Fui sem esperar muita coisa.
Dar uma desligada do mundo
Mesmo que tenha ido sem expectativas de me tornar mais feliz, encontrar respostas ou me tornar outra pessoa depois do retiro, ou seja, sem buscar resultado específico, fui com a esperança que durante o retiro eu pudesse me desligar um pouco do mundo.
Passei o ano movida a cafeína e queria ir pra um lugar que eu não precisasse de combustível para existir, planejar, resolver e nem direcionar nada. Com isso em mente, fui numa entrega a isso que o Sr. Goenka – o homem que disseminou a prática pelo mundo – diz ser como uma cirurgia da mente. Ainda em suas palavras:
“Vipassana is a science of mind and matter
How the mind is influencing the body
And later, how the body is influencing the mind”
Vipassana é a ciência da mente e da matéria. Como a mente influencia o corpo e, depois, como o corpo influencia a mente. Esse trechinho de ensinamento peguei da música “Vipassana”, que tem uma letra maravilhosa:
Encontrei essa música quando voltei do meu primeiro retiro em vipassana, eu tinha 19 anos e só queria mais um lugar afastado das pressões sociais pra pensar melhor sobre minhas escolhas de vida, meio que nem o Arnold diz
“Quando você reserva um tempo para ficar sozinho com seus pensamentos, você pode descobrir quem deseja ser; não quem seus pais querem que você seja, não quem seus amigos querem que você seja e, definitivamente, não quem algum pilantra do Instagram ou TikTok quer que você seja.”
Se em 2010, sem smartphone e tiktok, já tava difícil de desligar do mundo, imagina hoje. É tanta informação, cada vez menos a gente tem espaço só pra respirar – mas talvez cada vez menos a gente se lembre que isso é possível, ou veja algum valor em fazer isso.
Não buscar ser “uma pessoa melhor”
Dito que não me meti em um retiro de silêncio pra fugir de algum telegrama de intimação, também quero dizer que não fui pra me iluminar.
Minha família é de gente esotérica, sincrética e mística.
Um avô materializava cristais com a fraternidade branca de arcanjo Micael, o outro seguia dieta macrobiótica desde os anos 80 e minha avó teve aula de yoga com o De Rose quando ele ainda não tinha uma seita, apenas ensinava asanas numa garagem.
Minha mãe acha que ler o livrinho dos anjos da Sônia Café é essencial pro dia a dia e meu pai passa horas por semana na Mahikari, purificando e passando luz positiva pra pessoas, um tipo de Reiki – minha madrasta então, foi até o Japão pra fazer um seminário superior dessa religião.
É Graças a todos eles que sou bastante cética – e sobre isso não vou me demorar, pois quase tudo gira em torno disso. Se quiser saber mais, perder o brilho nos olhos, pra logo em seguida ganhar eles de volta, assine essa newsletter e fique mais.
Então não fui pra me iluminar, encontrar uma resposta, muito menos pra me tornar uma pessoa melhor.
Se por acaso você se sente inadequada o tempo todo em busca de ser uma pessoa melhor inalcançável, queria te lembrar que ta tudo bem, não ta te faltando nada.
Provavelmente você só esta cada vez mais minada pelo excesso de estímulos coloniais-digitais-capitalísticos e, quando quer se livrar disso, busca filosofias orientais que pregam uma tal de iluminação, que também é inalcançável e, dentro do contexto em que já vivemos, fica só o mesmo tipo de cobrança sob uma nova roupagem.
Abrir espaços mentais
Não é preciso colocar uma mística nas coisas pra elas terem algum valor.
Uma outra boa forma de justificar pensar a meditação ou a retirada em retiro vem na forma do discurso científico, inclusive foi como descobri Vipassana, através de Sam Harris, um neurocientista que á época era meio foragido, vivia escondido, porque escreveu livros (concisos) contra as maiores religiões do mundo, como o cristianismo, o islamismo e a academia científica americana.
Hoje o lindo superou essa fase, voltou com a gente aqui na dança de roda ritualística do capital – get paid instead of getting mad – fez um podcast que bombou e recentemente tava na roda de mãozinha dada com o seu gostoso famoso colega de profissão, Huberman:
Os tópicos da entrevistar são os mesmos que ele trabalha desde quando era perseguido, mas ele deu uma repaginada no discurso. Por exemplo, ele ainda fala de meditação, mas não menciona mais que sentou em diversos retiros vipassana. Se quiser a explicação científica correta sobre meditação-mente, veja o vídeo. Meu resumo capenga é mais ou menos esse:
Quando a gente faz sempre as mesmas coisas, os neurônios daquelas funções se conectam mais forte e mais rápido, as sinapses dessas coisas ficam mais fortes, nossos hormônios passam a ser regidos por toda uma cadeia dos mesmos estímulos.
É como re-educar meu corpo e a mente a não reagir a qualquer pensamento, não clicar num botão sempre que quiser pesquisar alguma coisa, não chamar alguém sempre que quer falar com ela e tantas outras coisinhas, dessas mais simples ás mais complexas.
Estar em isolamento aumenta esse auto-adestramento, se manter sentada em uma sala, sem poder ler, escrever e nem assistir nada, é deixar que o corpo regule naturalmente os hormônios relacionados ao stress e reeducar o cérebro para funcionar de uma forma diferente.
Ir a um retiro enfraquece as sinapses do cérebro. Ficar em silêncio, de olhos fechados, por horas e dias a fio, é diminuir radicalmente os estímulos dopaminérgicos no cérebro. Um retiro vipassana é como se fosse um reset de dopamina.
Talvez ao sentar em Vipassana eu jogasse fora a água da banheira com o bebê dentro, ou seja, voltasse também com meus bons hábitos mais enfraquecidos, mas achei que valeria a pena.
E, pra falar a verdade, sou um tanto vagabunda.
Queria um pouco de fugere urben sim, ver as montanhas de miguel pereira de novo, estava com saudades. As Fran Lebowitz da vida vão discordar comigo, mas sair do caos da cidade é sempre uma bênção.
Assim fui e, aqui, começa toda minha crítica ao sr. Goenka.
Papo pra outro texto.
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