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Papo de Yoga

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vipassana

algumas críticas ao retiro vipassana

19 de January de 2024 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Beira da calçada, choppinho na mão em pleno domingo á noite, bumbum prá lá e pra cá, “pé na areia caipirinha gua de coco cervejinha”, na missão de cruzar o olhar com um cara a duas mesas pro lado enquanto minha amiga falava alguma coisa de Zappa… a vida é boa demais.

Mesmo que eu seja do time careta, quase zero álcool, fazer esse cosplay completo de felicidade-brasileira me faz muito bem. Dias quentes e leves, meu irmão de floripa tava por aqui, ele também é programador, passamos longas horas cada um no seu notebook entre funções, risadas, commits, confissões…

Vários rolezinhos, companhia 24 horas, conexão boa. Gosto de ser feliz, mas é insustentável ser feliz o tempo todo. Tem coisa que só dá pra ser feita com solitude intensa, certa sobriedade das emoções, uma pitada de pessimismo e quem sabe um pouco de desespero. O natural da vida é ser infeliz de vez em quando.

Lembra que fui num retiro de meditação por 10 dias? Então, como ele é totalmente em silêncio no local tem várias placas indicando as regras e horários pra gente não ter que perguntar e, em todas elas, tem um recadinho no final: “be happy” – isso me incomoda demais.

Sim 🥁 chegamos á edição em que volto ao assunto da primeira edição, como prometi na segunda edição.

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amiga lembra que eu te disse

Lá contei o porquê fui me submeter á viver esse retiro que chama vipassana, um método / sistema de meditação que existe há décadas e que pode ser feito em quase qualquer país, de graça, sempre no mesmo padrão.

Apesar de gostar muito dessa instituição, hoje vou fazer algumas críticas numa vibe meio “acaba jovem místico”. Se você sair antes do fim, quero que fique com uma mensagem: apesar dos pesares, vá a um retiro vipassana, faz muito bem pra cabecinha, vai sim.

Vou falar mal e quem já passou dos 30 entende bem, a gente até pode gostar muito de uma coisa, mas sempre vê um detalhe aqui e ali. Envelhecer é ficar muito crítico ou tacar o fodasse, independente da posição, a gente aprende a segurar a barra de bancar a coexistência de ideias paradoxais.

Por exemplo, gosto do espaço silencioso e organizado de vipassana pra me retirar, acho que clareia a mente e admiro a capacidade de expansão e manutenção da instituição.

Por outro lado, acho a disseminação de conceitos no retiro meio alienante, principalmente porque o Sr. Goenka diz que sua técnica é universal deseja que todas as pessoas sejam felizes. Claro, perto de outros papos que rolam em retiros, esse é o menos problemático, mas esse papo de neutralidade me incomoda.

Hoje vou questionar se ser feliz é um desejo universal, se desejar a paz entre as religiões é um desejo universal, se querer ser desapegado é um desejo universal e se sentir samkaras por nossos karmas é algo universal.

Crítica 1: Be happy

No fim do retiro, quando pudemos falar uns com os outros, um cara grisalho, magrelo, óculos de tartaruga, cara de professor, me disse assim (imaginar com sotaque carioca):

– O último dia foi o melhor pra mim, quando ele fala pra gente imaginar a vibe da meditação se expandindo pra todos os seres, desejando Metta pra todas as pessoas, senti muito amor…

Pronto, foi pego pelo discurso.

A gente passa 10 dias ali vivendo uma complexidade de emoções, pra no último dia ensinarem a gente a desejar good vibes pro mundo?! Ok, é bonito, participo, mas não me desce totalmente.

Se você já tentou meditar sabe: ás vezes é agonizante, entediante, não é uma vibe – justamente, meditar é importante porque te ensina a conviver com essas nuances da realidade e nem sempre te faz feliz no fim.

These Meditation Memes Will Help You Take A Nice Deep Breath - It All Came  Tumbling Down | Memes

E se não der sensação boa, meditei errado? Não. O Sr. Goenka diz não ter nada de errado. Apenas observe: se estiver em good vibes no fim da meditação, deseje isso pro mundo, se não estiver, não vibre sua energia pra ninguém. No meu caso, ás vezes um narrador em minha mente dizia:

“Enquanto pessoas estão sendo bombardeadas entre Faixa de Gaza, Rocinha e Ucrânia umas 50 pessoas no meio da floresta atlântica meditam em amor, desejando liberdade e felicidade a todos os seres humanos – super efetivo.”

Só uma pessoa muito insuportável poderia discutir que “ser feliz” não é um desejo universal? Talvez. Já vim te amaciando, desde a primeira edição me mostrei uma chata disse que não acredito em felicidade plena, nem em paz mundial: são utopias, ficções, discursos políticos de adestramento.

Alex Castro

Por que tantas empresas querem tanto que você queira ser feliz?

Eu sei que você quer ser feliz. Mas pensa comigo: As maiores empresas do mundo estão gastando bilhões de dólares para que algumas das melhores mentes do planeta te convençam a colocar sua própria felicidade individual como objetivo último da sua vida…

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3 months ago · 5 likes · Alex Castro

Até a mais desgraçada das pessoas tem momentos de felicidade. Pra quê atrelar uma técnica de meditação a um desejo genérico desses?

Há milhares de anos se acreditava que vivemos essa vida várias e várias vezes em uma roda de samsara, o desejo final da meditação era, então, não reencarnar mais (não vou pular nesse buraco agora, mas se quiser, pode dar um respiro aqui pra refletir sobre o sistema de castas).

Por que hoje a finalidade da meditação não é a iluminação, mas a felicidade? Se antes o esquema era sair da roda, por que hoje queremos ficar felizes girando aqui?

Crítica 2: A paz entre as religiões

Nesse mesmo último dia do retiro em que aprendemos a expandir felicidade, somos guiados a uma sala com televisão. A primeira tela que vemos em dias, lá dão play em um video do Sr. goenka falando sobre paz universal e aceitação de todas as religiões numa conferência da ONU:

https://www.youtube-nocookie.com/embed/TBta6vIFbuI?rel=0&autoplay=0&showinfo=0&enablejsapi=0

“Uau. Esse retiro é coisa séria, esse professor é reconhecido mundialmente”. Mostrar esse tipo de vídeo ao fim do curso é uma técnica de comprovação social fortíssima.

Talvez com um pouco de senso crítico a pessoa estranhe essa forte ênfase na dicotomia ocidente-oriente, o “oriente”, a Índia, como grande portador do discurso pacificador. Pra quem não é muito versado na história dos gurus indianos pelo “ocidente” pode parecer tudo único quando, na verdade, esse papo é bem antigo:

Há mais de 100 anos atrás, Vivekananda também fala de paz em um discurso muito similar: “Acreditamos não apenas na tolerância universal, mas aceitamos todas as religiões como verdadeiras.” (Você pode ouvir o original aqui.)

RESPONSE TO WELCOME (11th September, 1893) - Swami Vivekananda
Vivekananda no Parlamento Mundial das Religiões em Chicago em 1893

Esse discurso não é tão famoso fora do universo do yoga, talvez você tenha pensado mais em outros como os de Ghandi ou Dalai Lama, é bem por esse linha. Vou falar mais sobre paz e não-violência em outras edições, então se você ta curtindo, da um like, envia pra alguém e fica:

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Enfim, tem vários outros materiais que eles poderiam passar no último dia, por exemplo o documentário sobre vipassana aplicado em presídios, que é ótimo.

Mas não, a escolha foi por outro lado, como tudo no retiro é meticulosamente organizado, essa técnica de marketing no final também é:

Mostrar esse discurso tira qualquer dúvida que você tinha sobre ter se enfiado numa experiência difícil de 10 dias e te coloca num lugar – você fez parte de algo maior, volte, chame outras pessoas, venha se voluntariar no retiro, vamos expandir e alcançar a paz mundial.

The best World Peace memes :) Memedroid

Bom, não concordo que essas coisas de ser feliz e de paz entre todas as religiões são universais, mas são, talvez, conceitos secundários do retiro. A ideia central mesmo é sentar e prestar atenção nas sensações do corpo sem sentir apego ou aversão, é se desapegar.

Difícil, ainda mais por tantos dias e horas: o corpo dói, a cabeça começa a pirar em mil coisas – volta, volta aqui! Presta atenção no ombro direito, o que tem ali? Nada? Tudo bem, bora pro cotovelo…

Crítica 3: Ser desapegado

Haja auto-controle pra não levantar no meio do quinto dia de meditação e lançar um “galera, a gente ta se auto-flagelando aqui!! bora fazer uma trilha!! tem uma cachu aqui perto, bora!!”.

10 dias é muita coisa. Além de estar numa linha tênue entre ser elitista ou anti-capitalista, ficar tanto tempo sem fazer nada é também chato pra cacete.

Por outro lado, rola um imaginário comum que acredita no “fazer coisas chatas leva a bons resultados”, que “constância e disciplina levam mais longe”. O pessoal te olha meio diferente por você conseguir ser capaz de meditar.

Só é um superpoder meditar tanto tempo, porque a gente vive o total oposto disso: sob uma economia baseada em derreter nossas mentes e corpos de prazer.

Todo mundo tem medo de perder o controle, de gastar demais e não conseguir pagar o aluguel, de comer muito e morrer do coração, de transar por aí e morrer na solidão… Logo, cada pessoa tem sua propria fetichizacao da disciplina pra alguma área da vida.

A meditação vipassana mexe com esse imaginário, é um exercício duro, um tratamento de choque para você aprender a não sentir apego e nem aversão, te torna uma pessoa mais resiliente e capaz de aplicar essa habilidade em outras áreas da vida.

Bonito, mas não é “natural” de todas as culturas admirar uma pessoa disciplinada, com total dominação do corpo e da mente, que não tem desejos excessivos. O auto-controle não é natural, não é universal e muito menos um valor moral superior.

Não quero saber de elevação, é a nível do mar, a nível de terra que meu amor mundano existe e insiste / apego e liberdade (mesmo que parciais e provisórios), não precisam ser uma contradição.

Em algumas comunidades indígenas, por exemplo, a aceitação e integração dos desejos é parte intrínseca da experiência humana e não algo a se expurgar ou dominar.

Por que a gente inventou de erradicar os desejos? Um dos motivos é, com certeza, por nos distraem das obrigações sociais e financeiras, que a cada ano de capitalismo que se passa só podem ser minimamente cumpridas se mantemos um estilo de vida estoico, na constância de um relógio atômico.

Claro que não é tudo culpa do capitalismo, outras culturas abraçam esse ideal – arriscaria dizer que sempre as mais hierárquicas – por exemplo, outra referência forte de disciplina que temos é a da arte marcial ou da época do shogunato japonês.

Mas falando do agora e de capitalismo mesmo, me incomoda que a obessão por auto-controle emocional, racional e financeiro exista na mesma intensidade em que colocamos botox na testa. É anti-natureza essa coisa de tentar evitar ao máximo os movimentos da mente e do corpo.

“E por isso não me arrependo dos meus apegos, das vezes que senti vontade de permanecer, de ser, de estar em todos os verbos de ligações com outros seres .”

Será que é preciso mesmo se esforçar e sofrer pra alcançar uma estabilidade de difícil manutenção? Ser desapegado a todo custo não me parece um conceito universal.

Crítica 4: Introdução a conceitos catequizadores – karma, samkaras…

Por fim, quero falar sobre as explicações filosóficas que o Goenka dá ás tais sensações físicas que sentimos ao ficarmos sentada por tantas horas.

Todo mundo que vai sente elas em alguma medida e não é só sobre dor nas costas, também tem sensações boas, umas borboletas no estômago, um peito aberto… é muito tempo pra sentir bastante coisa.

Será que as sensações vem acompanhadas dos pensamentos? Ué, mas achei que não tava pensando em nada, só escaneando as sensações do corpo…

O Sr. Goenka tem uma explicação pra tudo isso. Ele chama as sensações de Samkaras, diz que estão relacionadas com os karmas.

Ele conta várias historinhas budistas ao longo do curso, enfatiza que não importa quão rude você errou no passado ou em outras vidas. Você pode, á partir de agora, meditar e mudar sua conduta, parar de acumular mais samkaras, alcançar a liberdade das amarras da mente e do corpo, disseminar a paz por aí.

Ou seja, o passado tem consequências, porém não tem uma punição direta, como no cristianismo. As dores não vem como castigo porque você cometeu pecados, mas tem alguma relação sim com sua vida pregressa.

De qualquer forma, sr. Goenka diz que nessa técnica tanto faz se a pessoa sente coisas boas ou ruins, o importante é sua capacidade de manter a equanimidade, se manter firme sentado, parado, meditando, sem jugar os Samkaras, se livrando deles ao deixar eles passarem por você sem reagir.

I present to you: Vipassana memes made by the ladies of Dhamma Siri, June  16th Course : r/vipassana

Muito lindo e compassivo, porém é uma fic. Não temos a menor explicação para a origem da variação de sensações no corpo e a gente não precisa acreditar em Samkaras, nem em Pecados, nem em Sinapses pra querer meditar ou pensar em mudar antigos padrões de vida. (não sou anti-ciência atual, acredito em sinapses, mas no futuro podemos chamar de outra coisa, vai saber.)

Tem coisas que só é possível experienciar, não da pra tocar, nem colocar em palavras – nem precisa. Da pra perceber que, quanto mais a gente fica ali meditando usando a técnica Vipassana, mais expandimos nossa percepção do corpo e, de certa forma, dominamos o desejo da mente de fazer outras coisas.

Isso pode ser dito de muitas maneiras, mas não são conceitos universais, como coloca o sr. Goenka. Proust, um cara que inclusive a gente sabe que não era lá muito feliz, disse “Só nos curamos de um sofrimento depois de o haver suportado até ao fim.”

Espero que você vá a Vipassana

Apesar das gravações de final do dia do Sr. Goenka contando suas histórias budistas e tentando nos catequisar a nos livrar de supostos samkaras, todas as outras horas do dia são em silêncio, você com você mesmo, sem ter que se preocupar com coisas básicas de sobrevivência como cozinhar ou pagar por estadia.

Onde mais você encontra isso?

Sentar 10 dias em vipassana não vai sanar “todos os problemas da humanidade”, nem os seus, mas é muito bonito pensar e agir como se fosse mesmo.

Be Happy! – Vipassana Livres

Saindo do retiro, perguntei ao pessoal que devolvia nossos celulares se eles trabalhavam ali fixo ou eram voluntários. Os dois me disseram que eram voluntários há anos, mas infelizmente tinham outras obrigacões e não dava pra ficar ali fixo.

Claro, eles queriam ficar o tempo todo ali, na masturbação de limpar seus pecados, exercitar a auto-disciplina e emanar felicidade pro mundo. Que missão nobre de vida, pessoal. Catequisação concluída com sucesso.

Ironias á parte, não há local que a gente não esteja submetido a alguma ideologia, seja no shopping center, na empresa ou no centro de meditação… como disse David Foster Wallace, algumas estão tão presentes que parecem ar ao nosso redor, assim como a água é obvia a um peixinho no aquário.

Cabe a cada um desenvolver uma consciência mais profunda de como interpretar melhor as construções sociais nas quais estamos presos inseridos. Com Vipassana não é diferente, você vai no retiro e o sr. Goenka diz o tempo todo que é uma técnica universal, como um jornalista dizendo que sua opinião é imparcial.

O retiro existe sob um contexto político e cultural maior, cabe a cada participante olhar mais a fundo onde isso se aplica á sua vida. Vipassana não é a-político e nem laico, por exemplo, na inglaterra existe um retiro que é apenas para executivos.

Vipassana Meditation: Dhamma Padhāna
centro vipassana corporativo de luxo – Dhamma Padhana

Natural que role isso, é muito tempo e dinheiro pra manter essa estrutura mundial. Não é um ambiente a-cultural e nem uma técnica universal. Muito pelo contrário, é uma retirada em direção a uma crença muito específica: com a prática podemos ser felizes. Feliz pra quê?

“Talvez apegar-se ao desapego seja dos menos saudáveis dos apegos”

Os trechos em destaque são todos desse lindo texto “O desapego não é o único caminho para a liberdade” da Geni, psicóloga Guarani. Vai lá conferir.

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motivos pra meditar 10 dias em silêncio no retiro vipassana

30 de December de 2023 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Largar tudo e ir meditar parece coisa de vagabundo. Pra ir em retiro de meditação, a gente tem que se justificar falando que é auto-cuidado, e tem que usar bem as palavras pra não acharem que você só se enfiou nessa porque estava na pior.

“Todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade do homem de ficar sentado quieto e sozinho numa sala” gosto muito dessa frase, supostamente de dita pelo matemático, Pascal.

Não concordo que teremos todos os problemas da humanidade resolvidos. Não acredito em paz mundial, felicidade plena, muito menos na reversão do aquecimento global. Porém, acredito que, mesmo fadados á derrota, a gente pode imaginar sim essas utopias e escolher pelo menos um ou outro objetivo coletivo inaçável pra botar em prática.

Padre Julio Lancellotti, o melhor que temos.

Minha batalha-pessoal-coletiva-utópica mais antiga é a meditação. Inclusive, mês passado fui num retiro de silêncio. Confesso que tive um ano bem merda, mas não é por isso que fui, essa é uma coisa que já faço há alguns anos, em tempos bons e ruins.

Porém, acho que quando Pascal disse a tal frase, não estava sugerindo exatamente “ficar sentado quieto e sozinho” sentado no chão, meditando mais de 5 horas por dia, por 10 dias seguidos, comendo apenas 2 refeições diárias, sem poder ler, escrever e nem se exercitar. Mas é exatamente isso que propõe o retiro que fui agora no fim do ano.

Se você quiser evitar de cair nessa furada, o nome do retiro é Vipassana. Se você esta buscando justamente esse tipo de auto-flagelo, o nome do retiro é Vipassana também. Segundo as aulas noturnas do retiro, essa é uma técnica de meditação que o próprio Buda praticou para se iluminar, mas quem pode garantir? Os Indianos adoram usar essa técnica de marketing do “é tradicional”, “é milenar” pra empurrar goela abaixo suas ideologias mundo afora.

Vamos deixar baixo toda essa possível fic por detrás do que de fato existe:

Um retiro gratuíto, que acontece exatamente no mesmo modelo, há décadas, em diversos países do mundo. E milhares, se não milhões de pessoas, já participaram disso.

Meditators seated inside the Global Pagoda dome
cabem 8mil pessoas no maior centro de vipassana do mundo (pensa nessa galera toda em silêncio)

Se você entra no site do Dhamma, encontra datas para se submeter a viver essa experiência. Tem um centro em Santana de Parnaíba, aqui pertinho de São Paulo, mas o que fui é lá em Miguel Pereira, no interior do rio de janeiro. Os quartos são confortáveis, a comida é gostosa e o chuveiro, quente. O sistema é muito organizado e exatamente o mesmo, sem tirar nem por: silêncio absoluto, um pouco de jejum e meditação por horas a fio.

Apesar do fugere urben e dos confortos básicos, não parece relaxante, né? No geral, não é mesmo. Mas vale a pena.

Encarar as responsabilidades de frente

Confesso que estou desempregada, pego um freela aqui outro ali, mas não tenho mais time pra gerenciar, nem pair code reviews pra fazer. Porém, trabalho com TI, os freelas pagam bem e tenho certa flexibilidade de tempo e dinheiro, mas não parecia nada mal ficar 10 dias ter de cozinhar, sem gastar nada e sem olhar pra uma tela.

A questão de cozinhar até que não tinha um peso tão grande, esse ano preparei tanta marmitinha que já me acostumei. Emagreci 7 quilos e ganhei 3 quilos de músculo! Também pensei a longo prazo em várias outras áreas da vida: economizei grana, me desafiei na carreira, fui presente nos meios sociais mesmo quando queria ficar chorando num cantinho, não descontei na comida nem no álcool… mas é claro que esse auto-cuidado mecânico é apenas a redução de danos, o buraco é bem mais embaixo.

yogawork

Fiz a porra toda, meditei, mesmo assim em 2023 sustentei um constante sentimento de angústia e impotência frente aos problemas pessoais e mundiais.

No mundo, você ja sabe, fim de ano com esse aquecimento global torando na cabeça, desastres ambientais aqui e ali, estourou mais uma guerra, inflação lá no alto, inteligência artificial expandindo cada vez mais suas habilidades, mercado de trabalho incerto pra maioria das profissões, líderes políticos de caricatos de extrema direita tomando o poder, lulão não entregando quase nada…

No pessoal, me separei, mudei de casa e bairro, minha psicóloga entrou em licença maternidade, fiz reforma, uma tia morreu tragicamente, outra pessoa querida quase se foi, mas acabou internada em clínica de reabilitação, minha mãe tirou um câncer… além disso, depois de quase 10 anos morando longe, fui morar parede-com-parede com meus consanguíneos.

Mesmo assim, não fugi de nenhum B.O. Muito pelo contrário, fui paciente e cumpri com minhas obrigações, coisa que parece o mínimo, mas a gente sabe que não é. Talvez eu tenha dificultado um pouco meu lado com essa postura de “pensar a longo prazo”, mas esse ano já teria sido triste de qualquer forma, acabou que só abracei a dureza e mantive a postura uma vida chata e ponderada.

algumas vezes me abracei á filosofia de bruna rotta pra sobreviver

Tem dias, semanas, meses e anos na vida que são assim: feitos de fatos duros, decisões que requerem disciplina constante. Não tem nada de errado nisso. Não é moralmente superior sustentar euforia constante, mas achei difícil bancar a essa posição contra-nossa-cultura do sambar sempre, independente de. Em 2024 vou sambar mais.

Alex Castro

Por que quero tanto ser feliz?

De tanta coisas que eu poderia desejar ou buscar, por que justamente “ser feliz”? O que isso diz sobre mim? Que tipo de pessoa eu sou? Aliás, que tipo de pessoa somos? (O tema do Curso das Prisões para o mês de novembro é a Prisão Felicidade. Nossa aula, que iria acontecer na quinta, 30 de novembro, às 19h…

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3 months ago · 9 likes · 1 comment · Alex Castro

Enfimm, paguei os boletos antecipado, mandei mensagem pra uns contatinhos não acharem que bloqueei eles e me mandei pra vipassana em miguel pereira –

Fui sem esperar muita coisa.

Dar uma desligada do mundo

Mesmo que tenha ido sem expectativas de me tornar mais feliz, encontrar respostas ou me tornar outra pessoa depois do retiro, ou seja, sem buscar resultado específico, fui com a esperança que durante o retiro eu pudesse me desligar um pouco do mundo.

Passei o ano movida a cafeína e queria ir pra um lugar que eu não precisasse de combustível para existir, planejar, resolver e nem direcionar nada. Com isso em mente, fui numa entrega a isso que o Sr. Goenka – o homem que disseminou a prática pelo mundo – diz ser como uma cirurgia da mente. Ainda em suas palavras:

“Vipassana is a science of mind and matter
How the mind is influencing the body
And later, how the body is influencing the mind”

Vipassana é a ciência da mente e da matéria. Como a mente influencia o corpo e, depois, como o corpo influencia a mente. Esse trechinho de ensinamento peguei da música “Vipassana”, que tem uma letra maravilhosa:

https://www.youtube-nocookie.com/embed/HkZwZ5xBye4?rel=0&autoplay=0&showinfo=0&enablejsapi=0

Encontrei essa música quando voltei do meu primeiro retiro em vipassana, eu tinha 19 anos e só queria mais um lugar afastado das pressões sociais pra pensar melhor sobre minhas escolhas de vida, meio que nem o Arnold diz

“Quando você reserva um tempo para ficar sozinho com seus pensamentos, você pode descobrir quem deseja ser; não quem seus pais querem que você seja, não quem seus amigos querem que você seja e, definitivamente, não quem algum pilantra do Instagram ou TikTok quer que você seja.”

Se em 2010, sem smartphone e tiktok, já tava difícil de desligar do mundo, imagina hoje. É tanta informação, cada vez menos a gente tem espaço só pra respirar – mas talvez cada vez menos a gente se lembre que isso é possível, ou veja algum valor em fazer isso.

Não buscar ser “uma pessoa melhor”

Dito que não me meti em um retiro de silêncio pra fugir de algum telegrama de intimação, também quero dizer que não fui pra me iluminar.

Minha família é de gente esotérica, sincrética e mística.

Um avô materializava cristais com a fraternidade branca de arcanjo Micael, o outro seguia dieta macrobiótica desde os anos 80 e minha avó teve aula de yoga com o De Rose quando ele ainda não tinha uma seita, apenas ensinava asanas numa garagem.

Minha mãe acha que ler o livrinho dos anjos da Sônia Café é essencial pro dia a dia e meu pai passa horas por semana na Mahikari, purificando e passando luz positiva pra pessoas, um tipo de Reiki – minha madrasta então, foi até o Japão pra fazer um seminário superior dessa religião.

É Graças a todos eles que sou bastante cética – e sobre isso não vou me demorar, pois quase tudo gira em torno disso. Se quiser saber mais, perder o brilho nos olhos, pra logo em seguida ganhar eles de volta, assine essa newsletter e fique mais.

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Então não fui pra me iluminar, encontrar uma resposta, muito menos pra me tornar uma pessoa melhor.

Se por acaso você se sente inadequada o tempo todo em busca de ser uma pessoa melhor inalcançável, queria te lembrar que ta tudo bem, não ta te faltando nada.

Provavelmente você só esta cada vez mais minada pelo excesso de estímulos coloniais-digitais-capitalísticos e, quando quer se livrar disso, busca filosofias orientais que pregam uma tal de iluminação, que também é inalcançável e, dentro do contexto em que já vivemos, fica só o mesmo tipo de cobrança sob uma nova roupagem.

Abrir espaços mentais

Não é preciso colocar uma mística nas coisas pra elas terem algum valor.

Uma outra boa forma de justificar pensar a meditação ou a retirada em retiro vem na forma do discurso científico, inclusive foi como descobri Vipassana, através de Sam Harris, um neurocientista que á época era meio foragido, vivia escondido, porque escreveu livros (concisos) contra as maiores religiões do mundo, como o cristianismo, o islamismo e a academia científica americana.

Hoje o lindo superou essa fase, voltou com a gente aqui na dança de roda ritualística do capital – get paid instead of getting mad – fez um podcast que bombou e recentemente tava na roda de mãozinha dada com o seu gostoso famoso colega de profissão, Huberman:

https://www.youtube-nocookie.com/embed/-wIt_WsJGfw?rel=0&autoplay=0&showinfo=0&enablejsapi=0

Os tópicos da entrevistar são os mesmos que ele trabalha desde quando era perseguido, mas ele deu uma repaginada no discurso. Por exemplo, ele ainda fala de meditação, mas não menciona mais que sentou em diversos retiros vipassana. Se quiser a explicação científica correta sobre meditação-mente, veja o vídeo. Meu resumo capenga é mais ou menos esse:

Quando a gente faz sempre as mesmas coisas, os neurônios daquelas funções se conectam mais forte e mais rápido, as sinapses dessas coisas ficam mais fortes, nossos hormônios passam a ser regidos por toda uma cadeia dos mesmos estímulos.

É como re-educar meu corpo e a mente a não reagir a qualquer pensamento, não clicar num botão sempre que quiser pesquisar alguma coisa, não chamar alguém sempre que quer falar com ela e tantas outras coisinhas, dessas mais simples ás mais complexas.

Estar em isolamento aumenta esse auto-adestramento, se manter sentada em uma sala, sem poder ler, escrever e nem assistir nada, é deixar que o corpo regule naturalmente os hormônios relacionados ao stress e reeducar o cérebro para funcionar de uma forma diferente.

Ir a um retiro enfraquece as sinapses do cérebro. Ficar em silêncio, de olhos fechados, por horas e dias a fio, é diminuir radicalmente os estímulos dopaminérgicos no cérebro. Um retiro vipassana é como se fosse um reset de dopamina.

Talvez ao sentar em Vipassana eu jogasse fora a água da banheira com o bebê dentro, ou seja, voltasse também com meus bons hábitos mais enfraquecidos, mas achei que valeria a pena.

E, pra falar a verdade, sou um tanto vagabunda.

Queria um pouco de fugere urben sim, ver as montanhas de miguel pereira de novo, estava com saudades. As Fran Lebowitz da vida vão discordar comigo, mas sair do caos da cidade é sempre uma bênção.

essa é a vista – imagem pega do Google Maps – pra montanhas intactas que não são uma reserva florestal, apenas uma fazenda, mesmo. (arô reforma agraria)

Assim fui e, aqui, começa toda minha crítica ao sr. Goenka.

Papo pra outro texto.

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