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Papo de Yoga

Papo de Yoga

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posturas de yoga

o início do yoga globalizado

5 de February de 2024 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Queria viver viajando, mas também amo um conforto, por isso entrei na área de TI . Estudei, fiz a transição de carreira, me estabeleci minimamente pra alçar vôos, daí veio covid. Nada de viagem. Quantos planos mudamos por conta da pandemia, né

Antes disso, dava aulas de yoga e até viajei um tanto fazendo isso, foi massa. Hoje vou contar causos de yogis viajantes, mas ninguém que conheço, e sim a história dos primeiros professores de yoga nômades dos Estados Unidos.

Viveram há 100 anos atrás, também tiveram que adaptar planos de vida por forças maiores e mudaram totalmente de carreira pra ganhar uns trocos.

Life before/after covid-19 - Imgflip

Eram apenas comerciantes e estudantes indianos vivendo normalmente nos EUA, quando os juristas do tio sam levantaram uma pauta que mudou tudo:

pessoas da ásia, são pretas ou brancas?

Como somente pessoas brancas podiam ter cidadania americana, do dia pra noite, esses indianos-nem-pretos-nem-brancos perderam todos os direitos no país.

Pior, pra se tornar americano era necessário abrir mão da antiga cidadania então, quando isso aconteceu, eles já não tinham mais a nacionalidade Indiana.

No papel, eram pessoas sem nação.

Foi entre a Lei Johnson-Reed de 1924 e as reformas liberais da Lei Hart-Celler de 1965, que nasceram nossos mensageiros do yoga moderno.

Viajar dando aula de yoga

A saída foi transitar entre os estados até que a política tomasse forma concreta e alguns se resolveram pelo yoga como ofício. O problema é que o impasse jurídico durou alguns anos e o curioso é que nenhum deles tinha dado aula de yoga antes.

Por exemplo, abaixo você ve uma notícia sobre um famoso empreendedor no ramo de importação de chás para donas de casa americanas.

Já á direita, o mesmo homem, depois do processo de desnaturalização, passou a anunciar aulas de yoga, prana, vibrações e ocultismo:

filosofo, professor, um tipo de guru.

Pode parecer uma história totalmente sem pé nem cabeça e irrelevante, mas esses caras foram imprenscindíveis pro yoga ter se tornado a prática internacional que é hoje.

Ninguém sabia o que era yoga

Na época, se você perguntasse pra alguém o que era “yoga”, era capaz da pessoa nunca nem ter ouvido essa palavra. Como esses caras acharam uma boa ideia sobreviver vendendo isso?

Já rolava uma conversa entre diferentes culturas e religiões nos Estados Unidos:

  • contei outro dia de quando o Vivekananda foi ao Parlamento Mundial das Religiões em Chicago em 1893 – ele queria disseminar os conhecimentos hindus e pra isso criou a Sociedade Vedanta, ensinava Raja Yoga no linguajar “ocidental”.
  • a Sociedade Teosófica também estava em alta, fundada em Nova York em 1875 com o propósito de juntar pessoas no estudo comparativo de filosofias e ciências.

Nossa história de hoje começa nos anos 20, ou seja, o mercado de Sociedades Místicas já era consolidado.

Estavam em alta cursos sobre energia universal, pensamento positivo, manipular o poder da mente, obter cura, felicidade ou dinheiro. Nada muito estranho, ainda temos o “pró vida” e outros grupos similares que ensinam essas coisas que a autora Catherine Albanese cunha como religião metafísica americana.

Um Estudo Sobre A Seita Pró-Vida « Igreja Evangélica da Paz

Aproveitando o hype, nossos homens de negócios saíram por aí ensinando conceitos de yoga com essa metafísica americana – eram comerciantes, então usavam marketing de primeira, misturavam logos e frases de impacto, um super rebranding.

Táticas de venda

Não tinha como fazer publi, filtrar público alvo, nem subir ebook no hotmart, pra alcançar as pessoas o esquema era anunciar no maior meio de comunicação: o jornal.

O acadêmico Philip Deslippe se debruçou em pilhas e pilhas de jornais para saber por onde esses yogis nômades passaram e o que ensinavam. Ele se embrenhou pelos acervos de todo país, leu centenas de anúncios e organizou todos para encontrar padrões entre as aulas.

Phillip descobriu que esses neo yogis faziam um clickbait para que as pessoas fossem aos cursos:prometiam soluções para solidão, casamentos felizes ou davam aulas teóricas sobre como jesus tinha sido um yogi na Índia.

Os profês seguiam mais ou menos as mesmas táticas: chegavam em uma nova cidade onde ficariam por semanas ou meses, encontravam hoteis, alugavam saguões ou auditórios e promoviam suas aulas nos jornais.

Paramahansa Yogananda: The Secret Teachings of Jesus the Yogi | Jesus in  India - YouTube
funcionava tão bem que tem gente que ainda fala essas coisas no youtube

Não tinha anúncio de instagram, mas o meio de prospecção era parecido com o que a gente tem hoje: lives abertas pra alcançar o maior número de pessoas possível e mentorias fechadas pra quem quer saber mais.

Davam 3-4 palestras públicas gratuítas pra atrair curiosos e dali, com sorte, um pequeno grupo de alunos mais interessados entravam nos grupos pagos que custavam entre 100-120 dólares por aula, geralmente os alunos eram de classe média ou alta.

o olhar da misteriosa ali no meio

Phillip defende que foi graças a esses homens itinerantes que mudavam suas personas e estilos a cada estado que passavam, que o yoga se popularizou.

Os professores se conheciam pessoalmente ou à distância e partilhavam abertamente ou roubavam secretamente materiais de ensino, alunos e outros recursos à medida que se comercializavam para o público metafísico americano – era o “único” meio de subsistência e profissão.

Yoga e ocultismo

Filosofia, meditação, psicologia, self-improvement… O yoga sempre andou nessa corda bamba, entre o pragmatismo e o ocultismo, inclusive é importante colocar aqui que o viés do yoga místico sempre existiu e que temos outros casos modernos, não era novidade dos professores nômades, temos como exemplo o emblemático Alex Crowley:

O escritor, poeta, mago e filósofo britânico publicou em 1939 “Eight Lectures on Yoga” onde fala de posturas (asanas), técnicas de respiração (pranayama) e meditação, mas também mete sua famigerada teoria mágica no meio.

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De início a galera tinha medo desses grupos e teorias, rolavam rumores de que as mulheres ficavam loucas e deixavam suas famílias pra seguirem os gurus/swamis.

Com o tempo o discurso foi mudando, vendiam como um conhecimento milenar que era trazido pra ajudar os americanos. Quem usava muito essa tática mais moderna foi um dos professores itinerantes mais famosos e talvez o primeiro professor de posturas no ocidente, Rish Singh Gerwal.

Yoga e posturas físicas

Gerwal estava de olho nas tendências da Índia, lá estava rolando todo aquele movimento de conversa entre yoga e fisiculturismo que comentei outro dia.

Um dos nomes grandes por lá era Kuvalayanada, de quem Gerwal copia os livros descaradamente, os publica em seu nome e diz aos alunos privados que aprendeu tudo nos Himalaias.

o famoso livro Yoga Mimansa do Kuvalayananda

Já nos anos 30, no fim da segunda guerra, aumenta o culto ao corpo num geral, o yoga segue essa tendência e Gerwal esta surfando a onda faz tempo, ele cria “yoga teacher trannings”, incentivava estudantes a viajar e disseminar o hatha yoga no mundo.

Uma segunda leva de professores nômades surge, agora com uma proposta e necessidades totalmente diferentes, os mestres instigavam os alunos a irem para a India, tirar certificados… a organização aumenta.

não que já não tivessem certificados cérios em 1904

Aqui, sobre nova roupagem, a história se repete, e isso me fascina muito. Volto pra contar mais em próximas edições, tanto do yoga postural globalizado dos últimos 50 anos, quanto do medieval de centenas de anos atrás. Se quiser continuar navegando pelos yogas de diferentes tempos e se divertir com as coincidências, fica.

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Feischamento

Depois de 4 anos, vou voltar ao plano de viajar trabalhando, trabalhar viajando. Tô arrumando as coisas, mas se antes o plano era só de ida, hoje nã é bem assim – fiz reforma, montei meu cantinho, os tempos mudaram, eu envelheci. Ainda quero viajar, mas ter pra onde voltar agora parece mais convidativo que antes.

A existência é assim, né. Eventos marcantes renovam nossa forma de ver o mundo, descobrimos coisas diferentes, juntamos com o que já tínhamos, criamos algo novo, mais ou menos como era antes, só que diferente.

Quando fui á Índia, direto tentava entender a diferença e semelhança entre coisas tão exóticas pra mim naquele choque cultural todo, e com mais frequência do que eu gostaria as pessoas balançavam a cabeça daquele jeito indiano e respondiam

“same, same, but different”.

Acho essa resposta perfeita pra se “yoga é isso ou aquilo”. Não tenho a menor pretensão de esclarecer nada aqui no “ritual místico de cura”, mas quero trazer causos interessantes que mesclam espiritualidade sobre um aspecto mais geral do mundo – entre políticas, músicas, filmes…

Adoro essa história do Swami Circuit (o nome que o Phillip dá a esse grupo de professores nômades) porque ela trás uma dimensão de que o yoga esta inserido numa realidade maior – por vezes regida por políticas racistas, por exemplo – também me lembra que todo mundo em algum momento, até mesmo há 100 anos atrás, procura formas milagrosas de resolver as coisas, ao ponto de nos prestarmos a coisas ridículas, que rendem boas histórias depois, pelo menos.

Além disso, note que nenhum americano de subúrbio sabia muito bem o que era yoga, o povo aceitava qualquer coisa e foi feito um trabalho de base da desinformação que ainda persiste – não só persiste, é nossa nova realidade: yoga em 2024 é sim uma mistura de metafísica americana, com fisiculturismo dos anos 20 e também filosofia indiana medieval.

Same Same But Different - The Hilarious Party Game India | Ubuy

Yoga sempre foi uma coisa viva e ousaria dizer que as fotografias em redes sociais e outros elementos ainda mais atuais também moldaram essa prática, daqui um tempo poderemos entender melhor, de longe.

Por hora, o texto de hoje foi apenas sobre o início do yoga global.

Acho legal a gente identificar que o marketing de práticas espirituais atual é tão parecido com o de antigamente. Com sorte poupo alguém de gastar os tubos em curas mágicas que – eu também queria que funcionassem como na propaganda!!! – são uma furada, no máximo uma experiência boa pra conhecer gente que ta no mesmo barco que vc.

No mais, fiquem atentes a grupos sigilosos ou professores que deliberada e dissimuladamente assumem o disfarce de um yogui moralista pra ganhar uma grana – aquela coisa, todo dia um trouxa e um esperto saem de casa. O cara pode nem fazer por mal, mas sei lá.

E só pra terminar, se você chegou até aqui, vale disseminar por aí o fim do yoga romântico (já que a pauta por aí é amor romântico kk), que considera mais tradicional e verdadeiro aquele passado por puros indianos – ou seja, marketing com pressupostos sobre raça, ascendência religiosa, origens geográficas e distinções artificialmente nítidas entre o Oriente e o Ocidente.

Se curtiu o papo e quer ver uns anúncios de jornais antigos, da uma lida lá em um dos artigos do Phillip!

Até mais 🙂

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origens da saudação ao sol – surya namaskar

12 de January de 2024 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Sem o menor lastro na realidade, tô animada pra 2024. Sou do time que ama a fic ano novo, vida nova. Repensar a existência todinha, como se fosse possível começar de uma folha em branco – quando na verdade da pra ver a marca de caneta no verso, teve (muita) coisa antes.

Não da pra resetar a vida, mas quando vira o ano, tenho alguns rituais pra marcar um nó simbolizando que o tempo passou – estamos em um novo ciclo. São duas atividades que dão forma á virada, cada um tem seu tempo e intensidade: não podem ser acelerados, são processos narrativos que unem passado e futuro num presente.

Sei que a festa de ano novo já seria um rito pra marcar essa virada e não é que eu tenha algum desgosto por Réveillon, não chego a ser como a Tati Bernardi, que tem aversão a celebrar em praias lotadas, mas são rituais mais introspectivos, justamente porque não tenho uma preferência pra essa data.

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fases e fases

Em alguns anos viro a noite dançando louca de MD – em outras vou dormir cedo, sozinha, antes da meia noite, na paz, feliz da vida. Como minha disposição pode variar, criei dois rituaizinhos que podem ser mantidos em qualquer situação: fazer 108 saudações ao sol e escrever alguns planos no planner.

Ritual 1: Dançar conforme a música

Colocar “planejar o ano” como um ritualzinho pessoal é quase uma piada de mal gosto. Como a Marília Morchovich fala muito bem nesse texto, ter de planejar é sintoma do acumulo de funções que o capitalismo despenca sob nossos ombros e faz com que a auto-organização seja quase uma questão sobrevivência – cada um por si.

Não é um acaso que os métodos de produtividade e recursos como bullet jornal, planners e pomodoro se tornem cada vez mais populares. Com condições precárias de trabalho, são exigidas dos trabalhadores mais tarefas do que é humanamente possível cumprir. Dessa forma, o tempo de trabalho precisa ser não apenas estendido, mas também otimizado.

Apesar de entender que o sobrecarrego é sistêmico e desleal, não adianta ficar se debatendo contra ele.

Ninguém vai quebrar o sistema distribuindo panfleto anticap no trem, também não vai vencer o sistema se tiver um AVC antes dos 50 em troca de fazer 6 dígitos ao ano.

O gerenciamento do tempo e o orçamento mensal-anual são alguns dos melhores rituais que construíram pra gente nesses tempos e não vale a pena lançar o carpe diem pra depois me entupir escondida de rivotril.

nem sempre escondida

O caminho do meio é o planner da Cicero.

Quarta-feira: dia que o gerente vai no presencial, ficar 12 horas no escritório pra fazer uma média.

Sexta-feira: dia de home office, ir na praça da república no ato contra a privatização dos canteiros de esquina

Lembrete: lavar o bonézinho do MST.

Algumas pessoas podem não gostar de planejar, acham que é pavimentar o caminho pra ansiedade ou engessar o dia a dia.

Planners, calendários, listas e escapulários

Se o foco do planejamento for responder “Onde exatamente quero chegar”, “Quanto exatamente quero ganhar”, realmente fica mais pesado, essas masturbações mentais metrificáveis são um caminho fácil pra frustração, principalmente se você é propenso a acreditar em ficções e espera que tudo saia 100% como o esperado.

Sou uma devota de Thais Godinho, ela era uma outperformer, daquelas que desconfiamos viver um dia de 30 horas, tanto que criou o blog vida organizada (uma bíblia). Em algum momento, Thais tropeçou no budismo e tentou segurar os paradoxos das crenças antigas e novas com o rebranding produtividade compassiva.

Ainda bem que não parou por aí, ia envelhecer muito mal, a vida foi generosa e puxou ela pra um buraco mais fundo: hoje a gata faz doutorado na área sofrimentos do trabalho – confesso, foi quando achei que ela ia largar a toalha, mas segue firme, porque é o que da pra gente fazer mesmo.

Digo isso pra ilustrar que “produtividade” é um assunto complexo e paradoxal, nem sempre sinônimo de cadelinhas corporativas alienadas. Digo também pra você ir lá no blog dela, tem tudo.

Minha mini contribuição pro assunto é: “Como quero me sentir” e “Com quem quero estar” são boas perguntas-exercícios para para guiar os passos na hora do planejamento, assim como planejar de 12 em 12 semanas ao invés do ano inteiro, e usar o aplicativo notion (junto com o planner, sim) – tudo pra mim.

Compartilhei na edição passada algumas das coisas legais pra fazer no começo de 2024 e já priorizei isso, se não é justamente a diversão que fica pra segundo plano, soterrado pelo acumulo de funções e manutenção da vida cotidiana: treino, impostos, alimentação, trabalho, cursos, eventos profissionais, médicos…

Image

O esquema é pensar que planejar é mais uma bússola do que um mapa.

É um instrumento que guia a alguma direção, por exemplo, gosto de pensar uma meta maior como tema do ano todo, mas não especifico de janeiro a dezembro como chegar nela. Outra coisa, guardo uma lista viagens-passeios que gostaria de fazer e escolho em média 2 para fazer a cada quadrimestre.

Tenho uma personalidade bem experimentativa, quero adquirir muitas habilidades ou pelo menos me humilhar tentando – é mais forte que eu. Costumo tentar mais ou menos uns 5 hábitos-hobbies por ano. Aliás, estamos aqui, agora, diretamente, ao vivo, no hábito número 1 de 2024, escrever e publicar semanalmente. Fica que vai ter mais:

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Pra que eu possa fazer isso sem perder o lastro das atividades-para-sobreviver, planejar é essencial, me ajuda a encaixar o trabalho entre a diversão, digo.. o contrário.

Ritual 2: Conectar o corpo no momento presente

Além desse ritual-planner, no dia um, também costumo fazer 108 saudações ao sol.Em alguns estúdios de yoga, em datas especiais, o pessoal faz exatamente isso, então só emprestei o ritualzinho pra mim também – esse número mágico indiano e essa sequência aleatória.

A ideia é ter um momento durante o dia para fazer um nó no tempo, conectar respiração, pensamento, corpo, tudo num só lugar – estamos aqui, somos isso, estamos juntos, passamos mais um ano.

Claro que preferiria aterrar mente-corpo-respiração ao momento presente com minha tribo, numa dança ritualística, cantando, tocando instrumentos e quem sabe com um toque de erva medicinal, mas não rolou de nascer nesse contexto.

Cresci com um pôster da saudação ao sol sob a parede azul do escritório de casa, era algo que fazia desde criança com minha mãe, é uma lembrança boa. Depois de adulta, quis saber qual é a tradição dessa sequência, em qual texto está? Por que todo mundo faz? Por que em cada linhagem de yoga ela é um pouco diferente?

Se você também tem curiosidade de saber a origem do Surya Namaskar, a tal da sequência de saudação ao sol, vem comigo, vou contar aqui brevemente, mas já aviso: ela não esta talhada em nenuma escultura milenar, nem descrita em escrituras medievais. É apenas um conjunto de movimentos que um indiano rico inventou há 100 anos atrás.

A saudação ao sol

Durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, mostrar saúde e força era uma maneira de demonstrar a soberania nacional. Por exemplo, os alemães usavam seus exercícios de ginástica não apenas para desenvolver corpos saudáveis, mas também para promover certa moralidade e criar “novos alemães”.

Em toda a Europa, foram publicados textos sobre esportes, como remo, equitação, boxe e natação, bem como manuais de como andar, escalar e saltar. Nesse contexto, surgiram as revistas de saúde e fitness, como a L’Athlète, em 1896, ano em que ocorreram as primeiras Olimpíadas modernas. Antes disso, em 1893, ocorreu a primeira exibição internacional de fisiculturismo!

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Na Índia, várias ginásticas ocidentais, como Ling, Sandow e YMCA, tiveram um grande impacto, foram incorporadas à cultura local de lutas e podemos encontrar essa mistura na A Enciclopédia Indiana de Fisiculturismo (1950), livro que foi traduzido para o inglês e vendido em outros países, e que tambémincluía uma descrição do Surya Namaskar como um exercício, juntamente com uma história detalhada de uma suposta tradição.

Porém, segundo o livro The path of modern yoga, em pesquisa bibliográfica extensa, se descobriu que não há uma tradição milenar para o Surya Namaskar.

Em realidade, foi o Raja Bhavanarao Pant Pratinidhi (1868–1951) que inventou e disseminou a sequência. Ele testou diversos manuais de exercícios gringos & indianos, mas não viu resultado em nenhum deles – gente como a gente, que testa mil aplicativos de treino e a polchetinha continua ali.

Então, ele pegou uma sequência que seu pai costumava fazer para rezar, fez modificações, chamou de surya namaskar (saudação ao sol) e, com ajuda do homem-de-negócios e guru Paramahansa Yogananda, adaptou para forma popular á época, um manual com passo a passo: “Número 1: fique em tadasana, postura da montanha… Número 2: se dobre em uttanasana, etc.”

Bhavanaro sistematizou sua prática como a ciência de Namaskaras, e incorporou ao currículo de sua escola de yoga e ginástica em Satara. Dizia que a prática tinha benefícios como o desenvolvimento muscular, cura de doenças e alívio da dor.

Seu livreto incluía ilustrações e recomendava práticas em ciclos, variando de 25 a 50 ciclos para crianças de oito a doze anos, 50 a 150 ciclos para meninos e meninas de doze a dezesseis anos, e 300 ciclos para todos acima de dezesseis anos.

Desde então, milhões de pessoas tem feito essas prostrações, pela índia e depois pelo mundo, com ajuda dos manuais com figuras e traduzidos em inglês, mas também com o empurrãozinho dos gurus procurando formas de disseminar seu conhecimento de forma homogênea e memorizável.

Tudo isso é muito diferente dos livros de yoga mais antigos, em sânscrito, medievais, secretos, que pouco ou nada tinham a ver com uma sequência de movimentos em ritmo – dos quais inevitavelmente vou acabar falando em outras edições. Se te interessa, fica:

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O Hatha yoga é uma criação moderna e a saudação ao sol foi incorporada a ela. Tem uma base, mas cada um faz á sua maneira, o próprio Bhavanaro misturava os movimentos com entoação de mantras védicos e Bija Mantras.

Aliás, é provável que Bhavanaro tenha nomeado sua sequencia de surya namaskar devido à semelhança com o ritual de adoração ao sol, no qual os sacerdotes brâmanes se ajoelham e se prostram – bem coisa do sincretismo religioso que permeia todo o imaginário indiano até hoje.

Outro exemplo que adoro, nos akharas, ginásios de fisiculturismo indianos na época, além de treinos com pesos, rolava o Surya Namaskar e uma mistura de outras técnicas que os praticantes traziam de diferentes lugares.

K.V. Iyer, combinou o fisiculturismo com posturas de ioga. 1930. Coleção Otley Coulter.

Nesses locais também havia fortes movimentos anti-colonialistas, o que causava um paradoxo, entre aceitar as técnicas europeias e estrangeiras no geral, mas ao mesmo tempo fortalecer o movimento naiconalista, por isso, por vezes, tudo era apropriado, adaptado e renomeado como uma prática “puramente indiana”. Quem sabe um tanto do que hoje se diz ser yoga e puramente indiano não seja de outro lugar?

Vamos fazer yoga com… cabras? | Pet | PÚBLICO
talvez eles não tenham chegado a tanto

Pensamentos finais

Não da pra controlar o futuro usando um planner. Rola uma productivity p0rn doentia na internet e não vou corroborar com isso: por vezes me organizo e não entrego nada, acontece.

Também não da pra transcender a realidade praticando uma sequência de movimentos inventada entre guerras. Não vou abraçar a alienação e fingir não existir muita pesquisa acadêmica que desbanca os discursos mágicos de gurus por aí.

Pode soar meio quadradona, mas gosto de fazer essas coisas – e seguro a onda de ser brega numa boa, não preciso justificar que planejo porque é mais efetivo ou faço yoga porque é milenar e místico.

Quando deitei a cabeça no travesseiro, trinta minutos depois da virada do ano, fiquei muito feliz por estar dormindo cedo, sóbria, com meu irmão vivo e limpo capotado no sofá e ainda ouvindo o som da minha mãe lavando a louça do jantar.

Pra esse ano que passou, esse ano a calmaria era tudo, tudo o que eu mais precisava – quase chorei do tanto que precisava. Porém, desejei fortemente que a próxima virada seja de vestidinho branco curto, bem gostosa, banhada no champanhe, quem sabe até no meio de alguma muvuca.

Independente da situação, sei que vou escrever no meu planner e fazer as saudações ao sol. Como diria o filósofo Byung-Chul-Han em “O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente”, o ritual esta para o tempo, como a casa esta para o espaço. Gosto de decorar esse nó de tempo, assim como enfeito minha casa.

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