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Papo de Yoga

Papo de Yoga

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yoga

o início do yoga globalizado

5 de February de 2024 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Queria viver viajando, mas também amo um conforto, por isso entrei na área de TI . Estudei, fiz a transição de carreira, me estabeleci minimamente pra alçar vôos, daí veio covid. Nada de viagem. Quantos planos mudamos por conta da pandemia, né

Antes disso, dava aulas de yoga e até viajei um tanto fazendo isso, foi massa. Hoje vou contar causos de yogis viajantes, mas ninguém que conheço, e sim a história dos primeiros professores de yoga nômades dos Estados Unidos.

Viveram há 100 anos atrás, também tiveram que adaptar planos de vida por forças maiores e mudaram totalmente de carreira pra ganhar uns trocos.

Life before/after covid-19 - Imgflip

Eram apenas comerciantes e estudantes indianos vivendo normalmente nos EUA, quando os juristas do tio sam levantaram uma pauta que mudou tudo:

pessoas da ásia, são pretas ou brancas?

Como somente pessoas brancas podiam ter cidadania americana, do dia pra noite, esses indianos-nem-pretos-nem-brancos perderam todos os direitos no país.

Pior, pra se tornar americano era necessário abrir mão da antiga cidadania então, quando isso aconteceu, eles já não tinham mais a nacionalidade Indiana.

No papel, eram pessoas sem nação.

Foi entre a Lei Johnson-Reed de 1924 e as reformas liberais da Lei Hart-Celler de 1965, que nasceram nossos mensageiros do yoga moderno.

Viajar dando aula de yoga

A saída foi transitar entre os estados até que a política tomasse forma concreta e alguns se resolveram pelo yoga como ofício. O problema é que o impasse jurídico durou alguns anos e o curioso é que nenhum deles tinha dado aula de yoga antes.

Por exemplo, abaixo você ve uma notícia sobre um famoso empreendedor no ramo de importação de chás para donas de casa americanas.

Já á direita, o mesmo homem, depois do processo de desnaturalização, passou a anunciar aulas de yoga, prana, vibrações e ocultismo:

filosofo, professor, um tipo de guru.

Pode parecer uma história totalmente sem pé nem cabeça e irrelevante, mas esses caras foram imprenscindíveis pro yoga ter se tornado a prática internacional que é hoje.

Ninguém sabia o que era yoga

Na época, se você perguntasse pra alguém o que era “yoga”, era capaz da pessoa nunca nem ter ouvido essa palavra. Como esses caras acharam uma boa ideia sobreviver vendendo isso?

Já rolava uma conversa entre diferentes culturas e religiões nos Estados Unidos:

  • contei outro dia de quando o Vivekananda foi ao Parlamento Mundial das Religiões em Chicago em 1893 – ele queria disseminar os conhecimentos hindus e pra isso criou a Sociedade Vedanta, ensinava Raja Yoga no linguajar “ocidental”.
  • a Sociedade Teosófica também estava em alta, fundada em Nova York em 1875 com o propósito de juntar pessoas no estudo comparativo de filosofias e ciências.

Nossa história de hoje começa nos anos 20, ou seja, o mercado de Sociedades Místicas já era consolidado.

Estavam em alta cursos sobre energia universal, pensamento positivo, manipular o poder da mente, obter cura, felicidade ou dinheiro. Nada muito estranho, ainda temos o “pró vida” e outros grupos similares que ensinam essas coisas que a autora Catherine Albanese cunha como religião metafísica americana.

Um Estudo Sobre A Seita Pró-Vida « Igreja Evangélica da Paz

Aproveitando o hype, nossos homens de negócios saíram por aí ensinando conceitos de yoga com essa metafísica americana – eram comerciantes, então usavam marketing de primeira, misturavam logos e frases de impacto, um super rebranding.

Táticas de venda

Não tinha como fazer publi, filtrar público alvo, nem subir ebook no hotmart, pra alcançar as pessoas o esquema era anunciar no maior meio de comunicação: o jornal.

O acadêmico Philip Deslippe se debruçou em pilhas e pilhas de jornais para saber por onde esses yogis nômades passaram e o que ensinavam. Ele se embrenhou pelos acervos de todo país, leu centenas de anúncios e organizou todos para encontrar padrões entre as aulas.

Phillip descobriu que esses neo yogis faziam um clickbait para que as pessoas fossem aos cursos:prometiam soluções para solidão, casamentos felizes ou davam aulas teóricas sobre como jesus tinha sido um yogi na Índia.

Os profês seguiam mais ou menos as mesmas táticas: chegavam em uma nova cidade onde ficariam por semanas ou meses, encontravam hoteis, alugavam saguões ou auditórios e promoviam suas aulas nos jornais.

Paramahansa Yogananda: The Secret Teachings of Jesus the Yogi | Jesus in  India - YouTube
funcionava tão bem que tem gente que ainda fala essas coisas no youtube

Não tinha anúncio de instagram, mas o meio de prospecção era parecido com o que a gente tem hoje: lives abertas pra alcançar o maior número de pessoas possível e mentorias fechadas pra quem quer saber mais.

Davam 3-4 palestras públicas gratuítas pra atrair curiosos e dali, com sorte, um pequeno grupo de alunos mais interessados entravam nos grupos pagos que custavam entre 100-120 dólares por aula, geralmente os alunos eram de classe média ou alta.

o olhar da misteriosa ali no meio

Phillip defende que foi graças a esses homens itinerantes que mudavam suas personas e estilos a cada estado que passavam, que o yoga se popularizou.

Os professores se conheciam pessoalmente ou à distância e partilhavam abertamente ou roubavam secretamente materiais de ensino, alunos e outros recursos à medida que se comercializavam para o público metafísico americano – era o “único” meio de subsistência e profissão.

Yoga e ocultismo

Filosofia, meditação, psicologia, self-improvement… O yoga sempre andou nessa corda bamba, entre o pragmatismo e o ocultismo, inclusive é importante colocar aqui que o viés do yoga místico sempre existiu e que temos outros casos modernos, não era novidade dos professores nômades, temos como exemplo o emblemático Alex Crowley:

O escritor, poeta, mago e filósofo britânico publicou em 1939 “Eight Lectures on Yoga” onde fala de posturas (asanas), técnicas de respiração (pranayama) e meditação, mas também mete sua famigerada teoria mágica no meio.

https://www.youtube-nocookie.com/embed/G3LvhdFEOqs?rel=0&autoplay=0&showinfo=0&enablejsapi=0

De início a galera tinha medo desses grupos e teorias, rolavam rumores de que as mulheres ficavam loucas e deixavam suas famílias pra seguirem os gurus/swamis.

Com o tempo o discurso foi mudando, vendiam como um conhecimento milenar que era trazido pra ajudar os americanos. Quem usava muito essa tática mais moderna foi um dos professores itinerantes mais famosos e talvez o primeiro professor de posturas no ocidente, Rish Singh Gerwal.

Yoga e posturas físicas

Gerwal estava de olho nas tendências da Índia, lá estava rolando todo aquele movimento de conversa entre yoga e fisiculturismo que comentei outro dia.

Um dos nomes grandes por lá era Kuvalayanada, de quem Gerwal copia os livros descaradamente, os publica em seu nome e diz aos alunos privados que aprendeu tudo nos Himalaias.

o famoso livro Yoga Mimansa do Kuvalayananda

Já nos anos 30, no fim da segunda guerra, aumenta o culto ao corpo num geral, o yoga segue essa tendência e Gerwal esta surfando a onda faz tempo, ele cria “yoga teacher trannings”, incentivava estudantes a viajar e disseminar o hatha yoga no mundo.

Uma segunda leva de professores nômades surge, agora com uma proposta e necessidades totalmente diferentes, os mestres instigavam os alunos a irem para a India, tirar certificados… a organização aumenta.

não que já não tivessem certificados cérios em 1904

Aqui, sobre nova roupagem, a história se repete, e isso me fascina muito. Volto pra contar mais em próximas edições, tanto do yoga postural globalizado dos últimos 50 anos, quanto do medieval de centenas de anos atrás. Se quiser continuar navegando pelos yogas de diferentes tempos e se divertir com as coincidências, fica.

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Feischamento

Depois de 4 anos, vou voltar ao plano de viajar trabalhando, trabalhar viajando. Tô arrumando as coisas, mas se antes o plano era só de ida, hoje nã é bem assim – fiz reforma, montei meu cantinho, os tempos mudaram, eu envelheci. Ainda quero viajar, mas ter pra onde voltar agora parece mais convidativo que antes.

A existência é assim, né. Eventos marcantes renovam nossa forma de ver o mundo, descobrimos coisas diferentes, juntamos com o que já tínhamos, criamos algo novo, mais ou menos como era antes, só que diferente.

Quando fui á Índia, direto tentava entender a diferença e semelhança entre coisas tão exóticas pra mim naquele choque cultural todo, e com mais frequência do que eu gostaria as pessoas balançavam a cabeça daquele jeito indiano e respondiam

“same, same, but different”.

Acho essa resposta perfeita pra se “yoga é isso ou aquilo”. Não tenho a menor pretensão de esclarecer nada aqui no “ritual místico de cura”, mas quero trazer causos interessantes que mesclam espiritualidade sobre um aspecto mais geral do mundo – entre políticas, músicas, filmes…

Adoro essa história do Swami Circuit (o nome que o Phillip dá a esse grupo de professores nômades) porque ela trás uma dimensão de que o yoga esta inserido numa realidade maior – por vezes regida por políticas racistas, por exemplo – também me lembra que todo mundo em algum momento, até mesmo há 100 anos atrás, procura formas milagrosas de resolver as coisas, ao ponto de nos prestarmos a coisas ridículas, que rendem boas histórias depois, pelo menos.

Além disso, note que nenhum americano de subúrbio sabia muito bem o que era yoga, o povo aceitava qualquer coisa e foi feito um trabalho de base da desinformação que ainda persiste – não só persiste, é nossa nova realidade: yoga em 2024 é sim uma mistura de metafísica americana, com fisiculturismo dos anos 20 e também filosofia indiana medieval.

Same Same But Different - The Hilarious Party Game India | Ubuy

Yoga sempre foi uma coisa viva e ousaria dizer que as fotografias em redes sociais e outros elementos ainda mais atuais também moldaram essa prática, daqui um tempo poderemos entender melhor, de longe.

Por hora, o texto de hoje foi apenas sobre o início do yoga global.

Acho legal a gente identificar que o marketing de práticas espirituais atual é tão parecido com o de antigamente. Com sorte poupo alguém de gastar os tubos em curas mágicas que – eu também queria que funcionassem como na propaganda!!! – são uma furada, no máximo uma experiência boa pra conhecer gente que ta no mesmo barco que vc.

No mais, fiquem atentes a grupos sigilosos ou professores que deliberada e dissimuladamente assumem o disfarce de um yogui moralista pra ganhar uma grana – aquela coisa, todo dia um trouxa e um esperto saem de casa. O cara pode nem fazer por mal, mas sei lá.

E só pra terminar, se você chegou até aqui, vale disseminar por aí o fim do yoga romântico (já que a pauta por aí é amor romântico kk), que considera mais tradicional e verdadeiro aquele passado por puros indianos – ou seja, marketing com pressupostos sobre raça, ascendência religiosa, origens geográficas e distinções artificialmente nítidas entre o Oriente e o Ocidente.

Se curtiu o papo e quer ver uns anúncios de jornais antigos, da uma lida lá em um dos artigos do Phillip!

Até mais 🙂

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uma breve introdução ao Bhagavad Ghita

23 de January de 2024 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Recomendo a leitura desse texto ouvindo essa canção.


A primeira coisa que faço pela manhã é beber água, abro a torneira pra zuzu beber também, ficam as duas meio ensonadas ali, lavando o corpo por dentro. A zuzu é a gatinha da minha mãe, ela ta morando comigo há mais de 6 meses, porque minha vó teve de ir morar com minha mãe e a cinzinha, gata da minha avó, foi junto.

As duas se detestam, a zuzu e a cinzinha, por isso uma delas veio parar aqui em casa. Fiquei até feliz, mas pra mim o ideal mesmo era que elas convivessem e se lambessem em paz tal qual os gatinhos da internet. Só outro dia que me dei conta: E quem garante que esses mesmos gatinhos não se engalfinham em outros momentos? Pois é.

Just when you think they hate each other - Imgflip
2 minutos depois da briga, eles se amam.

Parece que a paz permanete é apenas um ideal ou uma probabilidade que varia de acordo com o tempo, intensidade e recorte das relações. É chato, mas é a realidade. Ao invés de arrastar culpa cristã pelos momentos de discórdia, melhor aceitar que ela é inevitável a todas as vidas.

O mito da “não violência”

Melhor que paz, é a paz alcançada sem violência. Esse era o discurso de Ghandi, um dos principais ativistas social-políticos indianos na sua luta anticolonialista. Fundador do movimento satyagraha, Ghandi incorporou princípios de não violência (ahimsa) e verdade (satyagraha) como base de sua “resistência passiva” ao imperialismo britânico.

Ahimsa e Satyagraha são conceitos ricos em bibliografia, preceitos milenares que estão em textos como Vedas, Upanishadas, Bhagavad Gita, nos Jaina Sutras e é parte também do arcabouço filosófico budista, no geral.

Dalai Lama, reencarnação de Avalokiteshvara e portanto líder espiritual do budismo tibetano, foi por uma linha parecida a de Ghandi na resistência tibetana contra a tomada da China, mas é tudo balela. Nenhum deles bancou a não-violência na prática, sob todos os contextos.

Ghandi comemorou a vitória japonesa sobre a Rússia, disse que Stalin era um grande homem e também já corroborou em situações de guerra com a Inglaterra, como no conflito da África do Sul.

Já Dalai Lama chegou a fazer um xadrez verbal e justificar o uso da violência, separando “método” de “motivação”. O método pode envolver matar, desde que a motivação seja a compaixão – bem na ondinha de um recorte do Bhagavad Ghita.

Mas não é só na Índia que cresce o discurso pacifista que aparentemente é insustentável, como mostra Domenico Losurdo, historiador e filósofo italiano, em seu livro “Non-Violence: A History Beyond the Myth” em que levanta as contradições dos mais famosos e influentes movimentos pró não-violência da história ao redor do globo.

No texto ele fala dos movimentos anticolonialistas, mas também relaciona Gandhi e Tolstoi, Gandhi e o movimento socialista, passa pelo partido de Lenin, toca o abolicionismo cristão, o pacifismo nos Estados Unidos e tem até a audácia de levantar a ficha de Martin Luther King e apelidar ele de “Gandhi Negro”, apontando um Afro-Radicalismo Americano.

É um tópico delicado. Losurdo não devia se conformar que a galera engole qualquer discurso de paz quando tudo ao nosso redor envolve disputas de poder. É quase acreditar na propaganda de fartura do partido Chinês na época da grande fome.

ta tudo serto pessoal

No fim, Losurdo diz que as “Revoluções Coloridas” são um grande jogo e trás uma “proposta” de não-violência mais realista para a realidade da época – de iminente ataque nuclear. Vale a leitura, mas veja bem, é um assunto muito desagradável.

Só trouxe essa questão da complexidade entre paz e guerra; e da discrepancia entre discurso e prática de não violência, porque foi a melhor maneira que pensei em começar a abordar a Baghavad Ghita.

Então vamos chegar lá logo, hoje quero falar sobre alguns detalhes técnicos de suas publicações e traduções, contar que, como disse acima, além de usarem seus conceitos para defender grupos de não-violência, as pessoas também conseguem usar a mesma narrativa pra acobertar as atrocidades nazistas.

Como isso? Veremos. Não tiraremos conclusão alguma e depois que terminar o texto a gente volta a desejar a paz, em paz. Good Vibes. Be Happy. 🤝

Baghavad Ghita

No texto, há uma batalha e o recorte mais comum que se faz da história é o seguinte:

De um lado os bonzinhos da família, do outro a galera que roubou o trono por ambição. Um dos bonzinhos (seu nome é Arjuna) questiona: “Apesar de ser politicamente justo, como posso matar meus próprios tios, avós e primos?” Complicado. Família é família, né?

Pra piorar, a missão dele, o trampo da vida dele, era ser guerreiro. E trabalho é trabalho, né? É quase como se um policial hoje em dia tivesse que matar o próprio primo. Seguir pela moralidade da missão individual ou pela moralidade da linhagem familiar?

O livro todo é Krishna dando conselho pra Arjuna:

– Cara, a gente nasce nesse corpo físico e a forma de fazer as coisas nesse mundo é material, essa vida é ação. Vai lá, faz seu trabalho, morrer não importa, estamos todos interpretando papéis aqui nessa vida, a alma é imortal.

overly attached hare krishna meme - Google Search | Krishna, Bhagavad gita,  Hindu

Ok, o livro é um pouco mais complexo que isso, mas deu pra perceber o distanciamento do ato violento que esse recorte tem? Que se usa uma narrativa de algo maior pra justificar a violência? Segura aí que já volto nisso.


Em outros textos vou falar mais (e melhor) de Ghita, de Uppanishad, de Amrtasiddhi e outras coisas do universo yogi que amo tanto e quero que navegue pra além dos círculos de jovens místicos e acadêmicos excêntricos.

Vou misturar com causos da minha vidinha, citar pessoas supostamente inteligentes, dar uma pitada de questões sociais atuais e com sorte alguma referência vai fazer sentido.

Se quer me ver escorregar e soar como uma lunática em algum momento, fica, da um like, manda pra alguém, custa nada:

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Quando foi escrita

Embora a datação exata da composição da Bhagavad Gita seja incerta, para muitos hindus, especialmente aqueles que seguem a tradição Vaishnava (devotos de Vishnu, Krishna ou Rama), a Bhagavad Gita é uma escritura “Shruti” (literalmente, aquilo que foi ouvido), uma canção revelada por Krishna, atemporal e divina.

Isso é articulado dentro do texto em si, como se quando ele foi cantado a primeira vez, ele já fosse eterno. Podemos dizer que é um tipo de autenticação escritural que o texto dá a si mesmo: um modo de transmissão do divino até o mundo humano. E, se você não clicou na canção no início do texto, aqui vai uma outra chance de ouvir esse canto divino:

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A Gita é uma canção que, com o tempo, virou um gênero, um tipo de literatura em sânscrito. Com o sucesso, vieram muitas diferentes Gitas, várias canções diferentes. Mas a Gita Original é parte do Mahabharata, um dos textos épicos mais extensos do mundo, composto por 18 livros, conhecidos como Parvans. Pra você ter uma noção, o texto todo é maior do que os gregos Odisseia e Ilíada, juntos.

Você pode imaginar que, ao invés de assistir Game of Thrones no fim do expediente, antigamente o pessoal se reunia pra ouvir essas histórias e dramas fantásticos, antes como canção, depois em texto e até hoje é reinterpretada. Faz parte do repertório dos mais de bilhão que compõe o povo indiano e simpatizantes.

https://www.youtube-nocookie.com/embed/AmrBq_HV5Ww?rel=0&autoplay=0&showinfo=0&enablejsapi=0

Originalmente a história foi passada por tradições orais, como bardos, cantadas, recitadas, performadas e viajadas de lugar a lugar por milhares de anos, mas em algum momento, há cerca de 2 mil anos, começou a ser escrita e copiada como manuscrito, ainda assim com variações regionais e de diferentes tradições textuais.

Foi feito um esforço hercúleo para juntar escrituras por todo o território Indiano e montar uma edição mais fidedigna possível. Um time de escolares sanscritistas no Instituto Oriental de Pesquisa de Bhandarka, em Pune, demorou cerca de 5 décadas para completar a edição crítica do Mahabharata em 1966, compilado após a análise de 1.259 manuscritos de Mahabharata e Ramayana.

Bhagavad Gita - Wikipedia

Apesar do Mahabharata ser milenar e do capítulo do Bhagavad Ghita ser disseminado no mundo todo, o texto é tão relevante e vivo que, ainda hoje, há uma disputa acadêmica real sobre Ghita ser ou não parte do Mahabharatha 🤯

Alguns estudiosos, como G.S. Kier, sugerem que a Gita foi composta em estágios diferentes por vários autores. Capítulos 1 e 2 podem representar a camada original, enquanto outros foram adicionados posteriormente.

Outros, como R.C. Zaner, defendem a unidade doutrinária da Gita, considerando-a um texto coeso com uma ênfase clara na mensagem de misticismo e divindade de Krishna. Porém há gente como Angélica Malinar, que busca um equilíbrio e sugere que, apesar de camadas de desenvolvimento, a Gita foi codificada sim como parte integral do Mahabharata.

Disseminação mundial

Fora as disputas pelas origens do texto original, também temos que considerar a fidelidade das traduções. A Ghita é o livro mais traduzido no mundo e ocupa um lugar importante nos panos de fundo da história intelectual, filosófica e política não só Indiana.

Oppenheimer faz referência a ela quando diz “Agora eu me tornei a Morte, o destruidor de mundos.”; Huxley em “As Portas da Percepção” diz”A Bhagavad-Gita é uma das maiores obras espirituais já escritas.”; Thoreau escreveu em Walden:

“No amanhã, eu almoço meu intelecto na filosofia estupenda e cosmogênica da Gita de Bhagavad-Gita, em comparação com a qual nosso mundo moderno e sua literatura parecem mesquinhos e triviais.“

A primeira em inglês foi feita pelo orientalista britânico Charles Wilkins em 1785. E, cerca de 100 anos depois, outra publicação de idiomas inglês muito influente apareceu, Sir Edwin Arnold’s “The Song Celestial”, que, curiosamente, foi a primeira cópia do Bhagavad Gita que Mahatma Gandhi leu, quando estava estudando para se tornar um advogado em Londres.

Sim, Gandhi, na verdade, não encontrou a Gita na Índia.

Charles Wilkins - Wikipedia
obrigada, Charles

Á partir daí o texto passou por muitas mãos, já foi traduzido em mais de 75 países e muitas das versões não são baseadas no trabalho dos acadêmicos de Bhandarka. Por isso, quando você vir um líder político usando conceitos avulsos ou quanto encontrar uma tradução livre de um guru qualquer, desconfie.

Usos políticos

A Gita da sentido a coisas que não tem sentido, justifica coisas que não tem justificativa, por isso concordo com Thoreau, tudo o mais parece mesquinho e trivial frente á ela. A Gita é uma romantização. A Gita é um livro lindo.

Mas não pro Zizek. Ele não enfatiza o uso da Ghita para os nobres grupos pró “não violência”, o stalininsta provoca trazendo um tema controverso, ele conta que quando confrontavam Hitler “nós estamos fazendo coisas horríveis, matando jovens judeus, mães, como podemos fazer isso sem nos tornarmos bestas?” ele usava esse discurso pseudo-oriental de distanciamento da materialidade supostamente contido na Gita pra justificar a chacina.

Por outro lado, Zizek defende que, em crises profundas, medidas radicais são necessárias, isso feito sob um pretexto maior de justiça social e de transformação das estruturas de poder. Ele usa o discurso marxista e não a Gita pra justificar a violência, mas é parecido, a linha é tênue, por isso Losurdo cruza essas frentes em seu texto.

Se você esta vivendo no mesmo mundo que eu em 2024, a gente sabe que o outro lado faz o vira-mesa e diz que esse tipo de pauta de justiça social é que é discriminatória com o grupo deles – a total morte da verdade (satyagraha?), vale a leitura desse livro da Michiko Kakutani. É um afago.

Ou seja, os conceitos da Ghita são atemporais, verdade – lula ou bolsonaro, violência – gaza ou israel, tudo se costura e não é de hoje, não é só da Ghita, muitos outros clássicos de várias culturas trabalham esses temas.

Calha que a Ghita é a mais usada e, de certa forma, tudo que poderia ser dito sobre ela já foi dito. Houveram muitos leitores, comentadores, tradutores de diferentes tempos e culturas, mesmo assim esses conceitos – e todos os outros – ainda são pauta em disputa.

Contexto filosófico

Seus ensinamentos são atuais porque a experiência interna de ser um ser humano, o corpo, a mente, os desejos, os medos, tudo isso ainda é muito parecido. Em outro momento trago essas outras partes bonitas da Ghita aqui, mas continuando a linha de raciocínio, pra não fazer o Hitler e distorcer o texto todo, é bom lembrar que há um contexto histórico e cultural muito específico em que a Gita está falando.

Ela surgiu como texto unificado em um período em que o Budismo e o Jainismo já estavam estabelecidos. Ocorre no contexto do campo de batalha de Kurukshetra, onde a guerra é iminente e o diálogo de Krishna com Arjuna aborda conceitos que podem ser entendidos em relação a ideias presentes nessas tradições, como a natureza da existência e a tensão entre a libertação (moksha) e a vida mundana (samsara).

O texto investiga os dilemas filosóficos e éticos que cercam a busca pela iluminação espiritual enquanto se cumpre as responsabilidades no mundo material. Além disso, compartilha afinidades filosóficas com os Upanishads, que formam a base espiritual dos Vedas e aprofunda conceitos como a natureza da alma (atman) e a busca pela unidade com o divino (Brahman). Também toca sobre o sistema de castas, foi base pra diversos textos jurídicos e passa por práticas ritualísticas e devocionais.

É uma operação muito difícil de tentar compreender a Gita, ao contrário dos modelos mais ascéticos do Yoga clássico, como, por exemplo, no Yoga Sutra de Patanjali, que sugere que o Yogi deve se retirar do mundo, – se retirar da sociedade, como renunciante, como sannyasin, – a mensagem universal da Gita promove uma ética social de se engajar no mundo através da prática yoga disciplinada, transformando todas as atividades em um serviço e devoção humilde de yoga.

Usos religiosos

Assim como o uso político do texto é bem problemático, o religioso também é. Como você pode ver, nosso embate filosófico atual não é o mesmo acima, o texto não foi escrito pra dialogar com cristianismo, islamismo e outros monoteísmos no geral.

Sim os conceitos caem como uma luva pra muitas coisas, por isso mesmo, e pensando na dificuldade das formação, interpretação e traduções, também é importante não cair em qualquer uso religioso que gurus atuais podem fazer.

Muitos líderes se dizem de linhagens orais supostamente muito mais autênticas do que qualquer texto acadêmico, crescem em cima disso e, curiosamente, depois em algum momento suas ideologias se fundem com o mundo dos (grandes) negócios, assim nos mostraram Sri Sri Ravi Shankar da Fundação Arte de Viver, Baba Ramdev com seus produtos ayurvedicos, o famigerado Osho e sua comunidade Rajneeshpuram, entre outros.

Inclusive o Sr. Goenka, do retiro de silêncio que falei, em suas palestras-gravações com contos budistas (sem fonte teórica exata) conta que era umrico empresário birmanês. Claro, se dedicar a espiritualidade requer tempo livre e a disseminação de ideologias em escala global requer recursos financeiros, assim como influência política.

Estado da Birmânia – Wikipédia, a enciclopédia livre
fiquei 10 dias no retiro ouvindo o Goenka falar da Birmânia sem poder pesquisar onde exatamente era esse lugarzinho, faço o favor de já deixar aqui pra você.

Assim como falei que “seja feliz” e a “paz entre todas as religiões” não são discursos neutros, aqui digo, que o da “não violência” também não é.

Trouxe o Losurdo pra me dar uma mão demonstrando que “não violiencia” é um jogo de interesses em todas as culturas, também ousei colocar o excêntrico Zizek pra apontar que o mesmo texto de onde Ghandi tira conceitos para sua luta pacífica, é também o texto que Hitler cita pra justificar suas chacinas – ai que confuso!

“Não violência” é um ideal lindo, também quero! mas é acima de tudo papo simplificado pra guiar as massas, ela nunca se concretizou por longos períodos de tempo. A violência tem muitas facetas, assim como a paz. A verdade está em constante disputa.

Não sei muito bem como fechar tudo isso. Se esse texto não te fez entender nada da Ghita além de suas origens, mas deixou mais claro como os recortes dela estão presentes na nossa história de formas controversas, ótimo 🙂

Feischamento

As vezes levo zuzu na minha mãe e, se de início ela e a cinzinha se arrepiavam todinhas e faziam barulhos horríveis. Agora elas se olham fixamente por horas, com certa apatia por estarem naquela situação forçada de convivência, mas não se engalfinham mais. Podemos dizer que é um conflito sem violência na maior parte do tempo.

Esses dias minha mãe chegou na conclusão de que, apesar da rivalidade, é essa a amizade que elas conseguem ter, então acho que ela vê a situação mais na perspectiva da paz. Ela tava falando da cinzinha e da zuzu, acho. Apesar de natural cuidar dos mais idosos, é também difícil morar com os pais depois de certa idade, talvez ela estivesse falando da relação dela com minha avó, não sei – seguimos com os paradoxos de viver.

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origens da saudação ao sol – surya namaskar

12 de January de 2024 by papodeyoga.com.br Leave a Comment

Sem o menor lastro na realidade, tô animada pra 2024. Sou do time que ama a fic ano novo, vida nova. Repensar a existência todinha, como se fosse possível começar de uma folha em branco – quando na verdade da pra ver a marca de caneta no verso, teve (muita) coisa antes.

Não da pra resetar a vida, mas quando vira o ano, tenho alguns rituais pra marcar um nó simbolizando que o tempo passou – estamos em um novo ciclo. São duas atividades que dão forma á virada, cada um tem seu tempo e intensidade: não podem ser acelerados, são processos narrativos que unem passado e futuro num presente.

Sei que a festa de ano novo já seria um rito pra marcar essa virada e não é que eu tenha algum desgosto por Réveillon, não chego a ser como a Tati Bernardi, que tem aversão a celebrar em praias lotadas, mas são rituais mais introspectivos, justamente porque não tenho uma preferência pra essa data.

Obrigado por ler ritual místico de cura! Subscreva gratuitamente para receber novos posts e apoiar o meu trabalho.

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fases e fases

Em alguns anos viro a noite dançando louca de MD – em outras vou dormir cedo, sozinha, antes da meia noite, na paz, feliz da vida. Como minha disposição pode variar, criei dois rituaizinhos que podem ser mantidos em qualquer situação: fazer 108 saudações ao sol e escrever alguns planos no planner.

Ritual 1: Dançar conforme a música

Colocar “planejar o ano” como um ritualzinho pessoal é quase uma piada de mal gosto. Como a Marília Morchovich fala muito bem nesse texto, ter de planejar é sintoma do acumulo de funções que o capitalismo despenca sob nossos ombros e faz com que a auto-organização seja quase uma questão sobrevivência – cada um por si.

Não é um acaso que os métodos de produtividade e recursos como bullet jornal, planners e pomodoro se tornem cada vez mais populares. Com condições precárias de trabalho, são exigidas dos trabalhadores mais tarefas do que é humanamente possível cumprir. Dessa forma, o tempo de trabalho precisa ser não apenas estendido, mas também otimizado.

Apesar de entender que o sobrecarrego é sistêmico e desleal, não adianta ficar se debatendo contra ele.

Ninguém vai quebrar o sistema distribuindo panfleto anticap no trem, também não vai vencer o sistema se tiver um AVC antes dos 50 em troca de fazer 6 dígitos ao ano.

O gerenciamento do tempo e o orçamento mensal-anual são alguns dos melhores rituais que construíram pra gente nesses tempos e não vale a pena lançar o carpe diem pra depois me entupir escondida de rivotril.

nem sempre escondida

O caminho do meio é o planner da Cicero.

Quarta-feira: dia que o gerente vai no presencial, ficar 12 horas no escritório pra fazer uma média.

Sexta-feira: dia de home office, ir na praça da república no ato contra a privatização dos canteiros de esquina

Lembrete: lavar o bonézinho do MST.

Algumas pessoas podem não gostar de planejar, acham que é pavimentar o caminho pra ansiedade ou engessar o dia a dia.

Planners, calendários, listas e escapulários

Se o foco do planejamento for responder “Onde exatamente quero chegar”, “Quanto exatamente quero ganhar”, realmente fica mais pesado, essas masturbações mentais metrificáveis são um caminho fácil pra frustração, principalmente se você é propenso a acreditar em ficções e espera que tudo saia 100% como o esperado.

Sou uma devota de Thais Godinho, ela era uma outperformer, daquelas que desconfiamos viver um dia de 30 horas, tanto que criou o blog vida organizada (uma bíblia). Em algum momento, Thais tropeçou no budismo e tentou segurar os paradoxos das crenças antigas e novas com o rebranding produtividade compassiva.

Ainda bem que não parou por aí, ia envelhecer muito mal, a vida foi generosa e puxou ela pra um buraco mais fundo: hoje a gata faz doutorado na área sofrimentos do trabalho – confesso, foi quando achei que ela ia largar a toalha, mas segue firme, porque é o que da pra gente fazer mesmo.

Digo isso pra ilustrar que “produtividade” é um assunto complexo e paradoxal, nem sempre sinônimo de cadelinhas corporativas alienadas. Digo também pra você ir lá no blog dela, tem tudo.

Minha mini contribuição pro assunto é: “Como quero me sentir” e “Com quem quero estar” são boas perguntas-exercícios para para guiar os passos na hora do planejamento, assim como planejar de 12 em 12 semanas ao invés do ano inteiro, e usar o aplicativo notion (junto com o planner, sim) – tudo pra mim.

Compartilhei na edição passada algumas das coisas legais pra fazer no começo de 2024 e já priorizei isso, se não é justamente a diversão que fica pra segundo plano, soterrado pelo acumulo de funções e manutenção da vida cotidiana: treino, impostos, alimentação, trabalho, cursos, eventos profissionais, médicos…

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O esquema é pensar que planejar é mais uma bússola do que um mapa.

É um instrumento que guia a alguma direção, por exemplo, gosto de pensar uma meta maior como tema do ano todo, mas não especifico de janeiro a dezembro como chegar nela. Outra coisa, guardo uma lista viagens-passeios que gostaria de fazer e escolho em média 2 para fazer a cada quadrimestre.

Tenho uma personalidade bem experimentativa, quero adquirir muitas habilidades ou pelo menos me humilhar tentando – é mais forte que eu. Costumo tentar mais ou menos uns 5 hábitos-hobbies por ano. Aliás, estamos aqui, agora, diretamente, ao vivo, no hábito número 1 de 2024, escrever e publicar semanalmente. Fica que vai ter mais:

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Pra que eu possa fazer isso sem perder o lastro das atividades-para-sobreviver, planejar é essencial, me ajuda a encaixar o trabalho entre a diversão, digo.. o contrário.

Ritual 2: Conectar o corpo no momento presente

Além desse ritual-planner, no dia um, também costumo fazer 108 saudações ao sol.Em alguns estúdios de yoga, em datas especiais, o pessoal faz exatamente isso, então só emprestei o ritualzinho pra mim também – esse número mágico indiano e essa sequência aleatória.

A ideia é ter um momento durante o dia para fazer um nó no tempo, conectar respiração, pensamento, corpo, tudo num só lugar – estamos aqui, somos isso, estamos juntos, passamos mais um ano.

Claro que preferiria aterrar mente-corpo-respiração ao momento presente com minha tribo, numa dança ritualística, cantando, tocando instrumentos e quem sabe com um toque de erva medicinal, mas não rolou de nascer nesse contexto.

Cresci com um pôster da saudação ao sol sob a parede azul do escritório de casa, era algo que fazia desde criança com minha mãe, é uma lembrança boa. Depois de adulta, quis saber qual é a tradição dessa sequência, em qual texto está? Por que todo mundo faz? Por que em cada linhagem de yoga ela é um pouco diferente?

Se você também tem curiosidade de saber a origem do Surya Namaskar, a tal da sequência de saudação ao sol, vem comigo, vou contar aqui brevemente, mas já aviso: ela não esta talhada em nenuma escultura milenar, nem descrita em escrituras medievais. É apenas um conjunto de movimentos que um indiano rico inventou há 100 anos atrás.

A saudação ao sol

Durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, mostrar saúde e força era uma maneira de demonstrar a soberania nacional. Por exemplo, os alemães usavam seus exercícios de ginástica não apenas para desenvolver corpos saudáveis, mas também para promover certa moralidade e criar “novos alemães”.

Em toda a Europa, foram publicados textos sobre esportes, como remo, equitação, boxe e natação, bem como manuais de como andar, escalar e saltar. Nesse contexto, surgiram as revistas de saúde e fitness, como a L’Athlète, em 1896, ano em que ocorreram as primeiras Olimpíadas modernas. Antes disso, em 1893, ocorreu a primeira exibição internacional de fisiculturismo!

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Na Índia, várias ginásticas ocidentais, como Ling, Sandow e YMCA, tiveram um grande impacto, foram incorporadas à cultura local de lutas e podemos encontrar essa mistura na A Enciclopédia Indiana de Fisiculturismo (1950), livro que foi traduzido para o inglês e vendido em outros países, e que tambémincluía uma descrição do Surya Namaskar como um exercício, juntamente com uma história detalhada de uma suposta tradição.

Porém, segundo o livro The path of modern yoga, em pesquisa bibliográfica extensa, se descobriu que não há uma tradição milenar para o Surya Namaskar.

Em realidade, foi o Raja Bhavanarao Pant Pratinidhi (1868–1951) que inventou e disseminou a sequência. Ele testou diversos manuais de exercícios gringos & indianos, mas não viu resultado em nenhum deles – gente como a gente, que testa mil aplicativos de treino e a polchetinha continua ali.

Então, ele pegou uma sequência que seu pai costumava fazer para rezar, fez modificações, chamou de surya namaskar (saudação ao sol) e, com ajuda do homem-de-negócios e guru Paramahansa Yogananda, adaptou para forma popular á época, um manual com passo a passo: “Número 1: fique em tadasana, postura da montanha… Número 2: se dobre em uttanasana, etc.”

Bhavanaro sistematizou sua prática como a ciência de Namaskaras, e incorporou ao currículo de sua escola de yoga e ginástica em Satara. Dizia que a prática tinha benefícios como o desenvolvimento muscular, cura de doenças e alívio da dor.

Seu livreto incluía ilustrações e recomendava práticas em ciclos, variando de 25 a 50 ciclos para crianças de oito a doze anos, 50 a 150 ciclos para meninos e meninas de doze a dezesseis anos, e 300 ciclos para todos acima de dezesseis anos.

Desde então, milhões de pessoas tem feito essas prostrações, pela índia e depois pelo mundo, com ajuda dos manuais com figuras e traduzidos em inglês, mas também com o empurrãozinho dos gurus procurando formas de disseminar seu conhecimento de forma homogênea e memorizável.

Tudo isso é muito diferente dos livros de yoga mais antigos, em sânscrito, medievais, secretos, que pouco ou nada tinham a ver com uma sequência de movimentos em ritmo – dos quais inevitavelmente vou acabar falando em outras edições. Se te interessa, fica:

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O Hatha yoga é uma criação moderna e a saudação ao sol foi incorporada a ela. Tem uma base, mas cada um faz á sua maneira, o próprio Bhavanaro misturava os movimentos com entoação de mantras védicos e Bija Mantras.

Aliás, é provável que Bhavanaro tenha nomeado sua sequencia de surya namaskar devido à semelhança com o ritual de adoração ao sol, no qual os sacerdotes brâmanes se ajoelham e se prostram – bem coisa do sincretismo religioso que permeia todo o imaginário indiano até hoje.

Outro exemplo que adoro, nos akharas, ginásios de fisiculturismo indianos na época, além de treinos com pesos, rolava o Surya Namaskar e uma mistura de outras técnicas que os praticantes traziam de diferentes lugares.

K.V. Iyer, combinou o fisiculturismo com posturas de ioga. 1930. Coleção Otley Coulter.

Nesses locais também havia fortes movimentos anti-colonialistas, o que causava um paradoxo, entre aceitar as técnicas europeias e estrangeiras no geral, mas ao mesmo tempo fortalecer o movimento naiconalista, por isso, por vezes, tudo era apropriado, adaptado e renomeado como uma prática “puramente indiana”. Quem sabe um tanto do que hoje se diz ser yoga e puramente indiano não seja de outro lugar?

Vamos fazer yoga com… cabras? | Pet | PÚBLICO
talvez eles não tenham chegado a tanto

Pensamentos finais

Não da pra controlar o futuro usando um planner. Rola uma productivity p0rn doentia na internet e não vou corroborar com isso: por vezes me organizo e não entrego nada, acontece.

Também não da pra transcender a realidade praticando uma sequência de movimentos inventada entre guerras. Não vou abraçar a alienação e fingir não existir muita pesquisa acadêmica que desbanca os discursos mágicos de gurus por aí.

Pode soar meio quadradona, mas gosto de fazer essas coisas – e seguro a onda de ser brega numa boa, não preciso justificar que planejo porque é mais efetivo ou faço yoga porque é milenar e místico.

Quando deitei a cabeça no travesseiro, trinta minutos depois da virada do ano, fiquei muito feliz por estar dormindo cedo, sóbria, com meu irmão vivo e limpo capotado no sofá e ainda ouvindo o som da minha mãe lavando a louça do jantar.

Pra esse ano que passou, esse ano a calmaria era tudo, tudo o que eu mais precisava – quase chorei do tanto que precisava. Porém, desejei fortemente que a próxima virada seja de vestidinho branco curto, bem gostosa, banhada no champanhe, quem sabe até no meio de alguma muvuca.

Independente da situação, sei que vou escrever no meu planner e fazer as saudações ao sol. Como diria o filósofo Byung-Chul-Han em “O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente”, o ritual esta para o tempo, como a casa esta para o espaço. Gosto de decorar esse nó de tempo, assim como enfeito minha casa.

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